APUB SINDICATO DOS PROFESSORES DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR DA BAHIA

De mãos dadas com a democracia, pela universidade e por direitos

Se os estudantes estão sem aulas presenciais, a culpa é do governo brasileiro e dos políticos

Como se não bastasse a irresponsabilidade de tentar forçar a retomada das atividades presenciais em meio ao crítico momento da pandemia no Brasil, os entusiastas do Projeto de Lei (PL) 5595/2020 querem fazer a sociedade acreditar que há mais de um ano os profissionais da educação estão parados.

Não é verdade, especialmente quando pensamos nas universidades públicas, que há mais de um ano estão mantendo suas principais atividades de forma remota. O Brasil, inclusive, está entre os países que mais produziram estudos sobre a Covid-19 e as formas de enfrentar a pandemia, além das pesquisas de novas vacinas, que estão em estágio avançado (mesmo com a falta de apoio governamental).

Apesar das dificuldades que o modelo online impõe, trata-se da melhor maneira de continuar com as atividades de ensino de maneira segura e preservando vidas.

Afinal, já há estudos que comprovam o quão perigoso pode ser a volta às aulas em um momento de descontrole da pandemia no país. Um deles, realizado no início do ano em São Paulo, apontou que professores da rede estadual que voltaram ao trabalho presencial tiveram três vezes mais chance de se contaminarem pelo novo Coronavírus.

Não é difícil imaginar qual seria o tamanho da tragédia se mais de 50 milhões de estudantes voltarem agora a circular nas instituições de ensino e a usar o transporte público.

Além disso, o PL não leva em consideração que muitas dessas instituições (especialmente escolas públicas) país afora não têm condições estruturais de praticar medidas mínimas de isolamento e de constante higienização dos espaços. O retorno às aulas presenciais trata-se de uma medida que favorece apenas o setor privado.

E para atender os desejos dos empresários da educação particular do país, os proponentes e apoiadores do PL não se constrangem em usar algumas fake news sobre a necessidade e o contexto de retorno às aulas presenciais no Brasil e no mundo, como veremos a seguir.

Exemplos internacionais

Em diversas manifestações de deputados a favor do projeto (muitos dos quais, diga-se de passagem, nunca apoiaram pautas da educação no Congresso e pertencem a partidos voltados aos interesses do mercado) o que se via eram comparações descabidas com outros países, afirmando que o Brasil mantinha por muito mais tempo os estudantes longe das escolas, faculdades e universidades.

No entanto, além de distorcidas, essas comparações não levam em conta que o Brasil é um dos poucos países onde a pandemia não chegou a ficar controlada em nenhum momento. Pelo contrário, desde o começo de 2021 ela se ampliou, com muito mais velocidade e agressividade.

Outra coisa que os políticos escondem é que outros países controlaram melhor a pandemia com isolamento social muito mais severo e muitos estão com vacinação bem mais acelerada do que o Brasil.

Até o final de abril de 2021, a Nova Zelândia, por exemplo, teve apenas 26 mortes porque adotou um lockdown rígido desde o começo. O mesmo aconteceu com a Austrália (900 mortes), Singapura 30 mortes), Vietnam (35 mortes) e muitos outros.

O Reino Unido, por exemplo, adotou lockdown rígido por quase quatro meses a partir do começo deste ano, fornecendo auxílio financeiro digno para as pessoas ficarem em casa e, assim que as vacinas começaram a ficar disponíveis, organizou um plano de imunização, que já mostra seus efeitos: antes da vacinação em massa, registrava cerca de 59 mil novos casos de Covid-19 no país por dia. Já no final de abril, esse número caiu para 2,5 mil. Não há segredo: a receita foi isolamento rígido e vacinação em massa.

E tem outro diferencial que mostra exemplos de controle muito mais eficazes da pandemia: tanto os Estados Unidos como boa parte dos países da Europa registraram os primeiros casos da doença muito antes do que o Brasil. No início, eles possuíam menos informações sobre o vírus e tiveram que aprender rapidamente com combatê-lo.

Além disso, são países que recebem anualmente um fluxo de turistas muito maior do que o nosso país e isso, obviamente, contribui para a circulação do vírus tanto em volume como em velocidade.

Vamos analisar alguns exemplos:

O Reino Unido recebeu em 2020 cerca de 10 milhões de visitantes estrangeiros. Mesmo com uma queda de 75% em relação a 2019, isso ainda representou um acréscimo de 14,5% a mais de pessoas em relação à quantidade de habitantes locais. A França, que tem 60 milhões de habitantes, recebeu cerca de 45 milhões de visitantes no ano passado, um acréscimo de 65% à população.

Já no Brasil, estima-se que 1,8 milhão de estrangeiros circularam em 2020 (um acréscimo populacional de apenas 0,85%).

Isso quer dizer que as condições para disseminação da Covid-19 naqueles países eram indiscutivelmente muito maiores do que no Brasil e, mesmo assim, eles obtiveram mais sucesso no controle e, por isso, conseguiram reabrir suas escolas em alguns momentos ou estão conseguindo fazer isso agora, diante da redução drástica da pandemia.

Nossa realidade ainda está bem longe disso.

Controlar a Covid depende de disposição política

O cenário que descrevemos mostra que frear a disseminação do Coronavírus está muito mais atrelado à vontade política dos governantes do que com aspectos sociais ou econômicos dos países.

Vejamos o caso da China (1,4 bilhões de habitantes e 4.600 mortes), do Paquistão (225 milhões de habitantes e 18.148 mortes) e da Indonésia (270 milhões de habitantes e 45.796 mortes), todos com mais habitantes do que o Brasil.

Mas talvez o grande exemplo seja os Estados Unidos. Quando o país era governado por Donald Trump (a quem o presidente brasileiro bajulava), mantinha-se como o epicentro da doença no mundo, acumulando recordes de mortes e novos casos. Sob o comando de Joe Biden, os norte-americanos viraram referência no combate à Covid-19, especialmente pelo maciço plano de imunização (e mesmo sem ter um sistema universal de Saúde como o nosso SUS).

Aliás, é sempre bom lembrar que o governo brasileiro recusou por, pelo menos, 11 vezes ofertas de vacinas no ano passado, e hoje demonstra uma enorme dificuldade de avançar com rapidez na imunização da população (e ainda vai pagar mais caro para adquirir as vacinas que foram recusadas pelo governo no ano passado, um prejuízo de R$ 1 bilhão).

Os negacionistas (aqueles que acreditam mais em mitos do que na ciência) que apoiam o governo gostam de afirmar que o brasil é um dos que mais vacinou no mundo. Mas o Brasil tem uma das maiores populações do planeta, ou seja, é natural que tenhamos mais vacinas também. Mas proporcionalmente ao tamanho da população (que é o método de análise mais preciso) 55 países estão à frente do Brasil.

E há mais um agravante: devido ao descontrole, o Brasil se tornou o epicentro da pandemia no planeta. Então, era de se esperar que estivéssemos em um estágio muito mais avançado da vacinação mas, por decisões políticas do presidente Jair Bolsonaro, o governo não demonstrou interesse em frear a pandemia.

Comparação imoral

Como mostramos, chega ser imoral utilizar exemplos de outros países para argumentar que o Brasil precisa retomar imediatamente às atividades presenciais nas escolas, faculdades e universidades.

Se os estudantes estão há tanto tempo sem atividades presenciais é porque o Brasil é praticamente o único país do mundo onde a pandemia não foi minimamente controlada em nenhum momento.

Da mesma forma, nosso país tem o único governo que trabalha a favor da pandemia de Covid-19 e joga contra qualquer possibilidade de retorno à “normalidade”, incentiva aglomerações, faz propaganda de medicamentos sem eficácia comprovada (com os quais gastou perto de R$ 100 milhões), desencoraja o uso de máscaras e o isolamento social, e ainda ameaça governantes que tentam conter a propagação do vírus.

Portanto, em vez de cobrar das comunidades educacionais e acadêmicas, ou tentar forçar o retorno às atividades presenciais, as pessoas precisam cobrar do governo e dos políticos decisões mais efetivas de controle da pandemia e uma vacinação muito mais rápida e massiva do que a atual.

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