APUB SINDICATO DOS PROFESSORES DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR DA BAHIA

De mãos dadas com a democracia, pela universidade e por direitos

Wellington Duarte: “As velhas lideranças têm que acabar, a hora é de renovação”

Os professores da UFRN vão às urnas antes do restante do país. Dias 3 e 4 de maio, a escolha é para a próxima diretoria que administrará o Adurn-Sindicato pelo próximo triênio. A decisão, agora, é menos complicada. Apenas uma chapa foi habilitada e está apta a concorrer ao pleito. Assim, o professor do Departamento de Economia Wellington Duarte deverá ser reconduzido para mais três anos de mandato.

A Adurn Sindicato é um das entidades sindicais mais combativas do Rio Grande do Norte. São 2.540 associados que, quando comparados com a média nacional mostram a força e o prestígio da Adurn junto aos professores universitários. Atualmente 54% dos docentes da ativa e 82% dos aposentados são associados, o que garante uma renda mensal de aproximadamente R$ 140 mil. Em nível nacional, a sindicalização varia entre 17% e 20%.

Nesta entrevista especial, simbolicamente publicada em 1º de maio, Wellington Duarte fala sobre os reflexos do golpe de 2016 na administração da Adurn-Sindicato e dos professores, o avanço do fascismo nas universidades e as perspectivas com a nova gestão.

Agência Saiba Mais: Participar de uma eleição como chapa única foi uma surpresa para você ?

 Wellington Duarte: A chapa única é resultado da própria gestão. Começamos essa administração em 2015, com muitas dificuldades, época em que enfrentamos problemas cartoriais, o sindicato passou quase 6 meses sem recurso, e depois veio o golpe. Conseguimos nos posicionar nesse contexto assumindo a defesa da democracia e ao mesmo tempo reforçando o sindicato como entidade que representa tanto os professores como os próprios associados.

Assumiram a defesa da democracia de que forma ?

Criamos projetos como Na trilha da democracia, o Diálogos, mais acadêmico, além de apoiar todas as entidades que estão na linha de frente da defesa da democracia. Nos integramos à Frente Brasil Popular e fazendo essa defesa no dia-a-dia…

E do ponto de vista administrativo houve mudanças ?

Internamente também tivemos um ordenamento das nossas ações com assinaturas de convênios com empresas privadas, que antes não existiam. Então hoje 20 empresas prestam serviço diretamente para os professores, não passam pelo Sindicato, a gente só intermedia o contato das empresas com os professores. Isso atende a renda do professor. Porque com o recolhimento da renda do professor após o golpe de 2016, os convênios acabam tendo um colchão de amortecimento da redução relativa da renda do professor.

Qual a relação da redução da renda do professor com o golpe de 2016 ?

Na verdade é o seguinte: você tem um processo inflacionário pequeno derivado, eu diria, de um reordenamento da metodologia que o IBGE fez da taxa de inflação, isso é público e notório. Ao mesmo tempo, por outro lado, o professor que tinha a promessa de aumentar o rendimento à cada construção de diálogo, como fizemos 2015, isso foi estancado. Não existe diálogo com esse governo. Então há uma perda relativa. Ainda pequeno, porque tivemos muitos ganhos. E como você tem o teto dos gastos, o cenário é o mais arrasador possível. Se o governo que assumir em 2019 tiver a mesma perspectiva dos que estão no poder, você terá 20 anos de recorte e isso afeta diretamente o salário do professor porque nós não teremos mais reajuste, isso é um fato. Então o sindicato tomou a frente antes construindo esse colchão. É um colchão pequeno ? É, mas além disso estamos melhorando o serviço e comunicação. Cito sempre um dado do facebook que nos últimos três anos chegamos a atingir 5 milhões de pessoas. Para um sindicato que traz uma marca pesada… um numero desse é bastante elogiado. Então acho que é por isso que não tivemos uma chapa de oposição. Até porque boa parte do que nós defendemos, a oposição de extrema- esquema também defende. E boa parte do que nós defendemos, o campo conservador democrático também defende, que é a defesa da democracia.

Por quê o Sindicato ainda é uma marca pesada para a sociedade ?

 Esse é um problema mundial. Nós perdemos a narrativa. Com o fim da União Soviética, boa parte do segmento à esquerda ficou órfão e começou a se pulverizar. E a extrema-esquerda assumiu um papel que, quando chega num Sindicato, é o de aparelhá-lo. Nesse sentido, nós do Adurn-Sindicato que temos o movimento Proifes, que olha para o movimento docente não apenas localizando ele na luta de classes, mas olhando para o cotidiano, começamos nessa premissa em 2008. O domínio de classe é capitalista e o capitalismo não gosta de sindicato.

Mas nós do movimento sindical também temos nossa parcela de culpa por fazer um discurso anacrônico, velho, pesado, que não se adequou à mudança da sociedade. Achamos que a sociedade tem que se adaptar ao nosso discurso e não analisamos as transformações que ocorreram na sociedade. Ficamos para trás, fomos derrotados pela narrativa mais conservadora.

E a ADURN-Sindicato nesse processo ?

A Adurn entra nesse processo de formatação desse discurso a partir de 2008 na gestão do professor Bosco. Um sindicato diferente, propositivo, que negocia, essa é a função de um Sindicato. Uma entidade que não pensa numa revolução geral porque não é o papel do Sindicato. Ele está além disso, tem a tarefa de proteger seu associado em termos corporativos mas também se situar na defesa dos trabalhadores de forma geral. Mas para isso não tem que estar atrelado a um ou outro partido. A diretoria pode sim ter afeição com um partido ou representação social, mas isso não pode se tornar uma linha de transmissão do Sindicato. Temos nossas posições ideologias, individuais, mas quando entramos no Sindicato tentamos alinhar essa posição individual à posição de conjunto e passar isso para o associado. Talvez por isso as pessoas passaram a ver o Adurn-Sindicato de uma forma mais respeitosa, de achar que temos uma posição e que, embora eu seja presidente do Sindicato e faça parte do partido comunista, isso não tenha uma incongruência.

A ADURN tem se posicionado para além dos muros da sociedade. Isso tem a ver com o golpe ou foi a linha que vocês traçaram desde o início ?

Estamos seguindo uma lógica. O que aconteceu em 2016 fez com que a gente mudasse a tática, fôssemos mais incisivos. Tanto que o nome da nossa chapa é Juntos pela UFRN. Com o fim da democracia e o teto dos gastos, se os sindicatos não tomarem posição em defesa da instituição que dá emprego a eles vai acabar se reduzindo e tendo impacto direto no cotidiano, na relação de trabalho, na pesquisa, na extensão. Por isso, nesse momento de tática, o Sindicato deve defender a instituição. Sem esquecer que essa instituição, claro, tem relação conflituosa em sua base. Nesse momento, o Sindicato está chamando toda sua base para defender a instituição.

Qual a diferença entre dirigir um Sindicato antes e depois do golpe em termos dos retrocessos que foram implantados ?

 Temos um olhar mais punitivo nos órgãos de controle do governo. A universidade tem sido vigiada 24 horas por dia por esses órgãos de controle que, na verdade, estão descontrolados. Todas as ações dentro da universidade, nos departamentos, têm sido alvo de um olhar muito punitivo. Todas as decisões que os gestores tomam hoje são tomadas com medo do que pode acontecer por um procurador desses achar que a ação é anti-republicana e vir em cima deles. O Sindicato tem que defender o professor contra qualquer abuso. Ou vindo da própria instituição central ou do setor externo. Sempre que um professor sofre esse tipo de pressão ou coerção, o sindicato volta em sua defesa. Defendemos a instituição contra os próprios agentes públicos externos porque há permanente cerceamento dos agentes públicos externos contra a UFRN.

Um caso emblemático recente foi o episódio da exibição de um filme sobre o filósofo Olavo de Carvalho, quando a PM entrou na universidade sem que a reitoria soubesse. O que ficou daquele caso ?

Foi simbólico. Você percebe esse tipo de procedimento. O Sindicato não é contra a exposição desses filmes nem de qualquer outra atividade acadêmica que esteja registrada. É um direito de cada um fazer e dever nosso defender a democracia e a pluralidade dentro da universidade. Nos posicionamos contra a ingerência externa que teve dentro da universidade sem o conhecimento da reitora. A autonomia está em lei e tem que ser respeitada. E de lá pra cá tivemos outras. A posição do sindicato é uma só: pluralidade sem cerceamento. A comunidade tem tido uma posição mais moderada como em outros lugares, mas estamos sempre olhando, como radar, onde a democracia está sendo ameaçada.

O ataque mais violento contra a democracia na educação é, sem dúvida, o projeto Escola sem Partido. Que avaliação você faz desse tipo de ação ?

Primeiro que isso é inconstitucional. Todas as tentativas em que os movimentos mais reacionários colocaram isso na pauta foram barraram. É um movimento político que se esconde por trás de um movimento de tentar democratizar a universidade. Temos uma representação aqui no RN que é o deputado federal Rogério Marinho (PSDB), que atacou uma unidade acadêmica da universidade e foi repudiado (professores do Núcleo de Educação Infantil, ligado à UFRN, foram acusados de doutrinação, mas o processo foi arquivo pelo Ministério Público Federal). Naquela ocasião, o Sindicato se posicionou ao lado do NEI e é um absurdo um mandatário se posicionando ofensivamente contra um trabalho dos professores. O Escola Sem Partido não tem espaço para florescer dentro da universidade porque não é sem partido, ela tem partido, lado, concepção teórica, tática e estratégica. Então esse projeto não é apolítico nem apartidário. Por isso as pessoas não tem simpatia pela escola sem partido.

O nome da chapa de concorre à reeleição é Juntos pela UFRN. O nome remete a um coletivo, unidade. É essa nova concepção sindical de que você fala ?

Reflete várias coisas, inclusive essa que a que você se refere. Juntos é para ampliar o leque de forças pela democracia. Mas também é o final de um ciclo. A universidade que temos hoje é diferente. A maior parte dos professores entrou depois de 2003, uma geração nova. E a chapa Juntos está fazendo essa transição. A maioria dos professores é dessa nova geração, é um recado claro. É necessário para o movimento sindical se renovar. Essa coisa de velhas lideranças eternas sindicais têm que acabar. Em 2021 vamos dar lugar a esse pessoal, vamos ficar em outras instâncias, não vamos parar de fazer política, mas daremos lugar a essas novas lideranças. E esse coletivo também dá mais atenção para as mulheres. São para 4 mulheres nessa gestão de 11 pessoas. E tem uma mulher na vice-presidência e outra na tesouraria. Na próxima gestão, espero que a presidenta seja uma mulher.

O que não deu para fazer nessa gestão que esperam fazer na próxima?

Não conseguimos comprar uma nova sede. Temos patrimônio financeiro, mas não temos patrimônio físico. E em crise financeira, o patrimônio financeiro pode sumir. Claro que temos que convencer as pessoas mais antigas de que é necessário sair daqui. É simbólica a presença do Sindicato aqui na universidade, a Adurn foi criada aqui. Só que temos que ter consciência de que a universidade pode pedir esse prédio a qualquer momento. E temos que chegar mais ao professor também. Avançamos muito na comunicação, o professor sabe que nós existimos, mas temos mais visibilidade na sociedade do que na categoria docente.

Você é um dos principais críticos da forma como os sindicatos fazem política hoje. O que acontece com o movimento sindical ?

Sou presidente de uma central também (Wellington dirige a Central das Trabalhadoras e Trabalhadores do Brasil – CTB). Em pouco tempo percebi que as direções de sindicatos têm dificuldade tremenda de visualizar o papel do sindicato nesse momento. E você se perde em querelas pequenas. Ficam várias centrais disputando espaço em micro espaços de poder, deixando de visualizar o geral. E os sindicatos viram ringues. A CTB, a CUT, não conseguem chegar ao trabalhador. A sociedade sempre vai ver o sindicato com um amontoado de dirigentes sindicais que ficam brigando. A sociedade moderna precisa de uma referência e as centrais não são mais referências.

Teremos o primeiro Dia do Trabalhador após a aprovação da reforma trabalhista

Tem momento mais emblemático do que um 1º de maio sem ato na rua ? É o primeiro 1º de maio que não teremos as Centrais nas ruas. É uma derrota para os trabalhadores do RN o fato das centrais não terem capacidade política para organizar os trabalhadores. Não ter o 1º de maio numa situação dessa ? Como é que pode ? O Adurn sindicato está dentro desse processo e foi engolido. As pessoas acham que sindicato tem que ter ideologia. Isso é um erro de base. Como se representa uma categoria plural e heterogênea ? Só se você fizer uma seita.

Esse mês completam 50 anos dos atos de maio de 1968. Qual legado daquele movimento ?

A maioria daquelas pessoas virou liberal e conservador. Foi uma rebelião de jovens contra o sistema. O partido comunista francês foi contra porque viu naquilo uma anarquia e movimento sem controle é muito perigoso. E o legado politico dali é que precisamos nos rebelar, não aceitar o status quo, rebele-se mas com sentido objetivo. Rebele-se e se junte para você ter espaço de luta coerente onde você pode participar da luta . O legado é esse

Como os retrocessos recentes na educação influenciam o cotidiano dos professores ?

Chegamos a ter 70 obras na universidade. Se olhar o tripé pesquisa, ensino e extensão, o impacto é devastador. Bolsas foram cortadas, eventos científicos cancelados, ciência sofrendo ataque sem precedentes, muitos grupos de pesquisa encolhendo. No segundo ano do teto dos gastos os pedidos de professores por ajuda para fazer eventos científicos mais que quadruplicaram porque as pessoas não têm mais recursos, E obviamente prejudica na estrutura. Se uma impressora quebra, não tem mais. O orçamento esse ano já foi muito restrito e o do ano que vem as pessoas não sabem como vai ser.

E o MEC passou a controlar o orçamento das universidades, retirando a autonomia financeira das reitorias…

Como o MEC vai gerir todos os orçamentos de todas as universidades ? A gente ainda não dimensionou o tamanho do que vem por aí. A maioria das pessoas entrou em 2003. E vão pegar agora o pior, como foi na gestão FHC, de extrema dificuldade. Hoje a universidade já tem dificuldade de pagar energia…

Entre os retrocessos do governo Temer, a reforma trabalhista foi a pior?

Quando você destrói o mercado de trabalho… Meirelles disse que íamos gerar 6 milhões de empregos e teve aumento de desemprego. Qualquer pessoa com mínimo de bom senso vê que isso não existe em nenhum lugar do mundo: destruir relações de trabalho pra aumentar o emprego!? No Brasil a relação trabalhista é muito primaria. A emprega doméstica teve o trabalho regulamentado, coisa que não existe nos países desenvolvidos, onde predomina o trabalho de diaristas. E as empregadas domesticas voltaram a ter salários mais baixos. São 13,1 milhões de desempregados com carteira assinada. E quem não procura mais, quem não tem esperança? Faça uma relação dos que não tem carteira assinada como o aumento da violência. Estamos voltando aos anos 60, 70…. se for falar de sobrevivência tem que falar de banditismo, o estômago vem antes da lei. Hoje você vê a quantidade de pedinte de Natal. Programas sociais destruídos… infelizmente estamos vendo isso depois de 13 anos de tentativa de melhorar.

Fonte: Agência SAIBA MAIS

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