APUB SINDICATO DOS PROFESSORES DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR DA BAHIA

De mãos dadas com a democracia, pela universidade e por direitos

Jornal APUB | Entrevista: Ana Georgina Dias,Supervisora Técnica do DIEESE na Bahia

O Estado brasileiro gasta demais? É preciso “enxugar” a máquina pública e extinguir privilégios? Em busca de ponderações para essas e outras perguntas que hoje demandam respostas para além do senso comum, a Apub Sindicato entrevistou a Supervisora Técnica do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) na Bahia, Ana Georgina Dias. Ela apresentou um quadro esclarecedor da relação entre o crescimento das receitas e despesas no Brasil nos últimos anos. Apontou ainda as principais consequências da Emenda Constitucional 95 e a necessidade de um posicionamento em defesa dos serviços públicos: “A sociedade também precisa estar ciente de que um Estado forte é essencial para que possamos construir um país menos desigual. Que a coisa pública significa aquilo que é de todos e não apenas daqueles que não têm como pagar pelos serviços privados”.

APUB: A partir de 2014, houve uma mudança na conjuntura econômica e a crise, cujos efeitos sentimos até hoje, reacendeu o debate sobre os “gastos excessivos” do Estado. Como você avalia essa narrativa de que o Estado brasileiro seria perdulário?

Ana Georgina: A linha básica de argumentação do governo fundamenta-se na avaliação de que houve crescimento descontrolado da despesa primária, em ritmo maior do que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), o que tornaria sua trajetória de expansão insustentável no longo prazo. De fato, nos últimos 18 anos, até 2015, a despesa primária teve incrementos superiores aos dos preços medidos pelo IPCA-IBGE e ao PIB. No entanto, essa expansão das despesas não esteve, nesse prazo longo, descolada dos aumentos das receitas primárias do governo. A relação entre o comportamento das despesas frente ao comportamento das receitas, verificou-se bastante compatível no período de 1998-2008 e 2010-2011. Em 2009, a variação da receita fica bem abaixo da variação da despesa devido aos reflexos da crise internacional de 2008 nas contas públicas nacionais e das medidas anticíclicas adotadas pelo governo federal. Após uma forte retomada do crescimento das receitas em 2010, verifica-se, a partir de 2012, o início de um período de quatro anos de comportamento mais débil das receitas, registrando um descompasso entre esses indicadores. Parece que está aí, nesse último período, a raiz do desequilíbrio fiscal recente. A observação desses dados parece ir contra a ideia de que tem havido um descontrole das despesas, mas sim de que o problema fiscal está associado à estagnação econômica de 2014, seguida pela crise, e ao ajuste recessivo adotado em 2015. As despesas primárias, como se disse, tiveram um comportamento compatível com o aumento das receitas até 2012. Essas últimas aumentaram por efeito do ciclo de crescimento e da maior formalização da economia, como se evidência pela estabilidade da carga tributária com o percentual do PIB na casa dos 33%. Foi em 2014 e em 2015, sob efeito da crise internacional e da perda de dinamismo interno, aliado ao ajuste recessivo adotado a partir de 2015, que as receitas se deprimiram comprometendo o equilíbrio fiscal.

APUB: Nesse contexto de que o Estado gastaria demais, o funcionalismo público vem sendo apontado como uma das causas de desequilíbrio fiscal, e uma série de medidas vem sendo tomadas, supostamente, para extinguir “privilégios”, como a MP 805, PDV e a própria Reforma da Previdência. Você poderia apontar as principais motivações e objetivos dessas medidas?

Ana Georgina: As diversas ações do governo em exercício têm contribuído de maneira contundente e rápida na retirada de direitos sociais e no desmonte do papel social do Estado brasileiro. Algumas destas ações têm efeito mais direto sobre o Estado e sua capacidade de executar as políticas públicas demandadas pela sociedade, como é o caso da Emenda Constitucional 95 (EC 95), conhecida também como a Emenda do Teto, porque limita a um teto máximo o conjunto de despesas primárias dos poderes da esfera federal. O diagnóstico de aumento descontrolado das despesas foi utilizado como justificativa para promover  uma verdadeira transformação na política macroeconômica e na Constituição Federal, o que abriu  caminho para que muitas outras medidas restritivas fossem adotadas, como por exemplo, o programa de demissão voluntária no setor público federal, possibilidade de redução de jornada com remuneração proporcional e postergação de parcelas de reajuste das remunerações dos servidores federais, negociado em 2015. A promulgação da Emenda Constitucional 95 também induziu muitas outras medidas como a Reforma da Previdência (PEC 287-A/2016) e um projeto de lei que prevê a possibilidade de demissão de servidores por insuficiência de desempenho (PLS 116/2017). À medida que a EC 95 propõe teto para as despesas primárias do Executivo Federal, os cortes das despesas que apresentam crescimento vegetativo tornam-se prioritários para o governo – especialmente daquelas com pessoal e com a previdência. Nesse sentido tem-se para os servidores federais os impactos mais diretos. Nas esferas estaduais e municipais, apesar de não estarem submetidas ao teto definido pela inflação do ano anterior, tem-se assistido a propostas de congelamento dos orçamentos nas Leis Orçamentárias Anuais utilizando-se o mesmo mecanismo – mesmo que sem a imposição do período de 20 anos de vigência. De forma análoga, como ocorre com a Previdência Complementar, há forte tendência de as medidas adotadas para os servidores da União servirem de parâmetro para medidas adotadas pelos governos de estados e municípios.

APUB: Na sua avaliação, quais as principais consequências da Emenda Constitucional 95 para os servidores e para o serviço público em geral?

Ana Georgina: A Emenda Constitucional 95 estabelece o “Novo Regime Fiscal” e foi o pontapé inicial de outras ações que provocarão efeitos em toda a organização do Estado. Buscando sustentar o argumento de desequilíbrio das contas públicas em um cenário de fraco desempenho do PIB, queda da arrecadação e elevação da dívida pública, o governo passou a afirmar que o problema da despesa pública é estrutural, em razão, principalmente, das despesas obrigatórias definidas na Constituição Federal (CF) e que, portanto, para controlá-las, seria necessário reformar a CF/88. O Novo Regime Fiscal aprovado pretende promover um ajuste nas contas públicas com foco apenas nas despesas primárias, principalmente as vinculadas às receitas.  Despesas, estas, que de alguma forma têm impacto sobre a vida da população como, por exemplo, as relacionadas à Previdência Social e aos sistemas de saúde e de educação públicos, que acabam servindo de margem para a política fiscal. As despesas financeiras – pagamento de juros e amortização da dívida pública – que consomem aproximadamente 45% do orçamento geral da União, foram deixadas de fora do novo regime. O Novo Regime Fiscal, portanto, se traduz em uma verdadeira Reforma do Estado a pretexto de ajuste das contas públicas, pois prevê congelamento real por 20 anos dos “investimentos sociais”, isto é, das despesas com políticas públicas (educação, saúde, previdência, assistência, segurança, etc.), para garantir as despesas financeiras (sem limitação definida). E provocará mudança profunda no perfil do Estado. Além de transferir a execução da política fiscal para a Constituição Federal, tirando a autonomia dos próximos governos com relação a esta questão. A EC 95 deverá ter impacto direto no poder aquisitivo dos salários dos trabalhadores já que, atualmente, no caso dos servidores públicos, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que os critérios de aumento dos gastos com pessoal se deem com base na Receita Corrente Líquida (RCL). Já no caso dos trabalhadores da iniciativa privada, além do impacto com a possível alteração na metodologia do reajuste do salário mínimo, os trabalhadores para quem ele é referência, podem vir a ter seus ganhos reais comprometidos. O que, de fato, já vem acontecendo desde 2017, uma vez que nos 2 últimos anos o reajuste do salário mínimo não foi suficiente para repor as perdas inflacionárias na sua totalidade. Toda a população brasileira irá ser penalizada com a muito provável redução, em quantidade e qualidade, dos serviços públicos. Segundo o que foi aprovado na EC 95, fica notória a possibilidade de redução, por exemplo, da destinação de recursos públicos para as áreas de educação e saúde. Nestes casos, é de se esperar que os recursos mínimos garantidos na CF acabem se efetivando como um limite máximo, já que ficará a critério do Congresso Nacional definir valores superiores para essas áreas, respeitando o limite total de gastos. Ou seja, poderá provocar ainda o comprometimento da execução de outras políticas públicas, cuja finalidade principal é atender às demandas da sociedade.

APUB: Apesar dos vários focos de resistência de entidades e sindicatos de servidores, essas categorias têm dificuldade em encontrar apoio na população em geral suas causas, pois, de fato, são vistas como privilegiadas. Que possíveis saídas você apontaria para esse problema?

Ana Georgina: Ao longo do tempo tem prevalecido o senso comum de que trabalhadores do setor público ganham muito, têm estabilidade e são pouco produtivos. E que, em última instância, os servidores públicos são os grandes responsáveis pelo desequilíbrio fiscal, devido ao seu peso nas contas públicas. A primeira saída seria desmistificar o peso dos gastos com pessoal no Orçamento. Embora seja um gasto importante, não é nem de longe o maior responsável pelo desequilíbrio fiscal. A cada 100 trabalhadores brasileiros, 12 são servidores públicos. A média é a mesma verificada nos demais países da América Latina, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Já nos países mais desenvolvidos, o percentual costuma ser quase o dobro — nesses locais, a média é de 21 funcionários a cada 100 empregados. Em nações como Dinamarca e Noruega, mais de um terço da população economicamente ativa está empregada no serviço público.  A sociedade também precisa estar ciente de que um Estado forte é essencial para que possamos construir um país menos desigual. Que a coisa pública significa aquilo que é de todos e não apenas daqueles que não têm como pagar pelos serviços privados. Que muitas das empresas e entidades de melhor resultado e desempenho, são públicas. E que os serviços públicos, na sua grande maioria, são bons. As Universidades Públicas sempre tão disputadas e almejadas pela sociedade, são um bom exemplo. Por fim, mostrar aos servidores públicos que o desmonte do Estado em curso atualmente não os prejudica apenas enquanto categoria profissional, mas principalmente prejudica a sociedade, uma vez que a desvalorização dos servidores públicos significa a precarização em quantidade e qualidade dos serviços públicos de modo geral.

Facebook
Twitter
Email
WhatsApp