por Tatiana Roque* para jornal O Globo
A universidade pública está em questão. O Banco Mundial reforça as sucessivas propostas de cobrança de mensalidades, com o argumento de que a gratuidade favorece os mais ricos. Já se mostrou que dois terços dos alunos das federais vêm das classes D e E — logo, cobrar de quem pode pagar seria pouco relevante no orçamento dessas instituições. Já se observou que nada é mais regressivo do que nosso sistema tributário — os mais ricos contribuem menos e mudar isso geraria maior arrecadação do que mensalidades. Ainda assim, permanece a disposição de levar a ideia adiante.
Desde a implantação das cotas, o perfil socioeconômico das universidades públicas mudou radicalmente. A entrada de pessoas que são as primeiras em suas famílias a cursar o ensino superior tem um papel simbólico imensurável. Neste país tão desigual, é estratégico manter espaços onde a convivência entre ricos e pobres possa se dar em — razoável — igualdade de condições. Diante disso, é preocupante que os mais ricos estejam começando a deixar a universidade pública. Salta aos olhos a quantidade de escolas privadas abrindo portas para que seus alunos cursem universidades no exterior. Sinal de que, em breve, o ensino superior pode ter o mesmo destino do ensino básico público. Quando a elite abandona, fica mais fácil sucatear — é triste, mas é fato.
A gratuidade, aliada à indiscutível excelência, é um atrativo para que os filhos das classes mais altas continuem na universidade pública — junto com aqueles que recém conquistaram esse direito. A proposta liberal é manter a gratuidade para os mais pobres, fazendo pagar os outros de acordo com a renda. Mas, se isso acontecer, a oferta de universidades privadas vai mudar, incrementando o foco nesse público pagante. Por que não criar um fundo para o qual os formados possam contribuir (talvez com incentivo fiscal)? Por que não estimular outras potencialidades de arrecadação, com flexibilidade na movimentação dos recursos? Qualquer uma dessas propostas traria mais benefícios financeiros — e menos riscos sociais — do que cobrar mensalidades.
Em contrapartida, as universidades precisam fazer sua parte, pois a excelência acadêmica não tem tido paralelo na administração. Problemas de infraestrutura e greves recorrentes têm influenciado negativamente a procura pelas públicas. A diversidade sociocultural é um ativo, mas é urgente melhorar a gestão, evitar greves, estimular mais pesquisas de ponta integradas ao ensino, além de parcerias com o setor produtivo. Seria um retrocesso se, justamente, quando pobres e negros entraram, a universidade pública se tornasse um lugar desprestigiado. Temos a oportunidade histórica de mostrar que uma instituição pública de excelência pode ser também democrática, igualitária e eficiente. Exemplo de um Brasil que pode dar certo.
*Tatiana Roque é professora da UFRJ. Foi presidente da Associação dos Docentes (ADUFRJ) e coordenou a campanha Conhecimento sem Cortes
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