Diferentes perspectivas da violência e suas relações com a educação em pauta no III Encontro Nacional de Direitos Humanos do PROIFES

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Pensar as diferentes expressões e conceitos de violência na sociedade e na área de Educação, bem como as estratégias que podem ser empregadas para a sua superação foi o desafio abordado na mesa “Contrapontos no enfrentamento das violências na educação”, no III Encontro Nacional de Direitos Humanos do PROIFES-Federação, nesta sexta-feira, 8, no auditório da Escola de Engenharia da UFG, em Goiás. A mesa foi coordenada pela professora Lívia Cruz (SINDIEDUTEC) e contou com as exposições do professor Oswaldo Negrão (UFRN/ADURN Sindicato) e das professoras Crislei Oliveira Custódio (USP) e Miriam Fábia Alves (UFG). Ao trazer diferentes entradas no tema proposto, as falas evidenciaram a complexidade do debate, mas mantiveram a unidade em torno da defesa da diversidade e da multiplicidade de vozes na educação e na sociedade.

Crislei: “A ideia de Direitos Humanos está em disputa”

Professora e membro do programa “Respeitar é Preciso”, que atua na formação de professores em Educação e Direitos Humanos, Crislei Custódio trouxe uma reflexão sobre a violência como expressão de uma lógica policial – no sentido empregado pelo filósofo Jacques Rancière. A polícia, ali, se opõe à política, como um conjunto de forças que busca “a manutenção de uma geografia de distribuição de lugares sociais e de poder”. Ela explica que há uma disputa em torno da ideia de Direitos Humanos, tocada por setores reacionários da sociedade, a partir dos quais, emerge uma certa ideia de “família” e um viés privatizante da educação capazes de articular pautas políticas, da vida social e uma disputa em torno de moralidades. O viés privatizante, ressaltou a professora, não se restringe à questão econômica, é uma compreensão da educação como uma esfera regida por interesses privados – como os interesses da “família tradicional”, do qual o projeto Escola Sem Partido é um exemplo.

Ao abordar o conceito de violência, Crislei pincelou a definição de Hannah Arendt e como ela diferencia a ideia de violência da ideia de poder. “Ela diz no [livro] Sobre a Violência que poder e violência são opostos, onde um domina absolutamente o outro está ausente”. E, onde há violência não há também política ou democracia, pois impera a repressão do dissenso. Nesse sentido, num contexto no qual avanços de movimentos sociais e políticas progressistas que permitiram a emergência de novas vozes na esfera pública, observa-se uma resposta policial que tenta silenciá-las. “Assim, essa ideia de família e essa privatização do que é a educação tentam silenciar vozes dissonantes, promovendo o apagamento e a inviabilização”, disse a professora. Essa tentativa é também uma forma de violência, numa dinâmica que procura eliminar a noção de público como aquilo que é afeito aos valores democráticas e à pluralidade de vozes. Ao final de sua fala, Crislei defendeu a construção de uma nova ética, atravessada pelo reconhecimento dos diferentes sujeitos políticos.

Oswaldo: “É necessário enfrentar a naturalização dos atos violentos”

O professor Oswaldo Negrão, da UFRN e membro do Observatório das Violências do Rio Grande do Norte, apresentou um panorama de dados e estatísticas de atos de violência e do desmonte de políticas públicas que poderiam mitigá-las. Ele apontou que o Brasil possui taxas de mortes violentas equivalentes a um país em guerra e denunciou o sub-financiamento progressivo das políticas de saúde, educação e segurança pública. Essa desestruturação das redes de proteção do Estado não é uma ideia nova – estava presente mesmo antes do golpe de 2016 – em programas como “Ponte para o Futuro”, mas está sendo aprofundada e confirmada no governo atual, a exemplo das recentes propostas de Reforma Administrativa apresentadas pelo Ministro Paulo Guedes. “Como estruturar políticas públicas que repercutam na qualidade de vida da população se a gente não tem garantias básicas para o seu financiamento?”, questionou. Essa qualidade vida, com acesso a educação, moradia, alimentação, emprego e renda são garantias presentes na Declaração dos Direitos Humanos e na Constituição Federal de 1988, e não poderiam ser dissociadas. “Mas defender a Constituição hoje virou algo subversivo”, disse Oswaldo. “E, enquanto isso, 38% da população do Rio Grande do Norte vem subsistindo com uma renda média de 14 reais por dia”. Além da questão da desigualdade e da pobreza, as taxas de evasão escolar e o modelo prisional de encarceramento em massa também são pontos fundamentais no debate sobre a violência, assim como as violências simbólicas, que fazem parte de uma cultura que termina por naturalizar a agressão. “Precisamos pensar e agir, ações que sejam estruturantes para enfrentar a naturalização dos atos violentos”, defendeu.

Mirian: “Precisamos questionar qual conceito de segurança defendemos para a sociedade”

A crescente militarização das escolas públicas, defendida pelo governo atual, assim como por parte significativa da população – e até por alguns profissionais da educação – como resposta à qualidade educacional insuficiente e ambiente violento dessas instituições foi o aspecto destacado pela professora Mirian Alves, da Universidade Federal de Goiás no debate. Ela resgatou a experiência do Estado de Goiás, cujo processo de militarização de escolas se iniciou ainda no final da década de 1990 e que agora se expande para o resto do país, como uma política incentivada pelo governo federal. Ela apontou que essa tendência de militarizar como resposta a uma sociedade violenta precisa ser problematizada e questionou: “a militarização responde a que projeto de formação e de segurança pública?”. Para a professora, militarizar aprofunda a deslegitimação da escola pública como espaço formador e mina o direito à educação de qualidade, uma vez que, 84% da população que depende da educação pública seria dividida entre uma minoria que teria acesso a uma escola militarizada “de qualidade”, e a maior parte que continuaria à margem, num sistema de ensino cada vez mais precarizado tornado “ainda mais violenta a exclusão”. Ainda, o modelo militarizado instaura uma disciplina padronizada não permitindo a manifestação das identidades dos e das estudantes, justamente num momento importante de formação, e minando sua autonomia e capacidade de diálogo. Para professores e professoras, a questão também é problemática, pois eles estariam alijados da gestão da escola, também submetidos à disciplina militar. “Se a militarização tem sido apontada como resposta à violência e se a segurança é um direito, precisamos questionar qual o conceito de segurança que defendemos para a sociedade. E qual a aproximação de uma determinada noção de segurança e de controle social dos corpos”, ressaltou a professora e defendeu uma “escola sem medo e paz com o direito ao exercício da liberdade e da diversidade”.

Fonte: PROIFES-Federação