Em função da epidemia da COVID-19 muito se tem comentado sobre a necessidade de se reduzir os gastos públicos, para que sobrem recursos a serem aplicados no combate à doença. Dentre as propostas que circulam na imprensa, e mesmo em declarações do Presidente da Câmara Federal, está a redução de salários dos servidores públicos. Essa medida, mesmo que temporária, não tem sustentação, nem na Lei e nem na razão.
Servidores Públicos são assalariados que exercem funções em atividades de extrema importância para a sociedade, como educação, saúde, segurança e gestão pública. Pagam, rigorosamente em dia, já que são tributados diretamente pela União, valores altos de Imposto de Renda (IR), ao contrário dos bancos, das pessoas jurídicas e agentes do mercado financeiro especulativo, que nada pagam de IR sobre lucros, dividendos e pró-labores. Servidores pagam altas somas de contribuição à Previdência, e inclusive os que recebem acima do teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contribuem sobre toda a sua remuneração, o que justifica terem aposentadorias acima do teto, ao contrário dos trabalhadores da iniciativa privada, que têm o teto como limite de contribuição e proventos. Aliás, essa situação se aprofunda neste mês de abril, com o aumento expressivo da contribuição previdenciária, ressaltando-se que só contribuem acima do teto os servidores que ingressaram até 2013. Ou seja, ninguém que ingressou no serviço público nos últimos sete anos contribui ou se aposentará com vencimentos acima do teto do INSS. E igualmente é bom lembrar que mesmos os aposentados e pensionistas do serviço público pagam Previdência se recebem acima do teto, o que não existe na iniciativa privada. Os servidores públicos em geral recebem salários menores que os profissionais da iniciativa privada em funções com a mesma exigência de titulação.
No caso dos professores federais, 89% trabalham em regime de dedicação exclusiva e, portanto, não podem ter outras remunerações regulares, vivendo apenas de seus salários. E, como todos os brasileiros, estão submetidos às restrições de isolamento social, sendo compelidos por força dos decretos de calamidade a não irem às Instituições encontrarem seus alunos em aulas presenciais, ainda que tenham que manter seus projetos de pesquisa e extensão, fundamentais para a sociedade, na medida em que é nas Universidades e Institutos Federais que se faz a maior parte, assim como em instituições públicas estaduais, das pesquisas hoje tão em evidência, de combate a doenças e atenção aos mais vulneráveis. Mesmo com os rigores da quarentena, professores, técnicos e estudantes estão produzindo álcool gel, testes para detecção do novo coronavírus, atuando em programas de extensão de apoio às comunidades, entre tantas outras áreas de atuação na Ciência e na Tecnologia.
Enquanto isso, o Banco Central injeta bilhões de reais em bancos e empresas, que já têm lucros imensos e pagam muito pouco imposto, se comparados aos assalariados da classe média, em particular. O próprio Presidente da Câmara diz que serão necessários 400 bilhões de reais para combater a COVID-19, mas a economia com redução dos salários dos servidores traria algo como 18 bilhões de reais. É aceitável que a conta vá para os assalariados e não para os que têm muito dinheiro e estão, mesmo na crise, ganhando mais dinheiro com a oscilação da bolsa de valores e a variação cambial?
Ao contrário do que fazem os demais países do mundo, com economias grandes como o Brasil, que injetam bilhões de dólares e euros na economia, o governo brasileiro quer retirar direitos dos trabalhadores, com a Medida Provisória 927 de 2020, que completa a Reforma Trabalhista e relega as pessoas mais pobres a irem cada vez mais para a informalidade e miséria.
Para os servidores se propõem cortes de salários e de benefícios, e isso não é novidade agora na crise.
O PROIFES-Federação, além de agir politicamente, também encomendou à sua assessoria jurídica estudos sobre a legalidade desses cortes de salário e traz a público as conclusões:
– Podem os salários dos servidores serem cortados?
Não. A Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso XV veda expressamente essa redução, o que também está previsto pelo §3º, do art. 415, da Lei 8.112/90 (Regime Jurídico Único). Cabe destacar que nenhuma das exceções ao princípio da irredutibilidade de vencimentos, previstas no inciso XV, do art. 37 (arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I) permite reduzir a remuneração dos servidores públicos em decorrência de declaração de calamidade pública. Ou seja, só se uma Emenda à Constituição for aprovada com quórum de 3/5 da Câmara e do Senado em duas votações. Isso pode vir em breve? Sim, pois a proposta do Programa Mais Brasil de Bolsonaro, com as Propostas de Emenda Constitucional (PEC) 186, 187 e 188 trazem, dentre várias outras medidas, exatamente a redução de até 25% dos salários, com redução de jornada. Por sinal, como ficam os professores em dedicação exclusiva? Aqueles que em grande parte fazem as pesquisas que o Brasil precisa poderão ter mais uma redução de salário, que por sinal não é reajustado desde 2017, sem poderem ter outras fontes de renda? O PROIFES-Federação é radicalmente contra as PECs 186, 187 e 188, que destroem o serviço público, e conclama toda a sociedade que acredita na importância das Universidades e Institutos Federais a se somar nesse repúdio.
– O Decreto de Calamidade Pública autoriza a redução de salários dos servidores?
Não. Como consta em parecer jurídico oferecido ao PROIFES-Federação por suas assessorias, o Decreto Legislativo 6/2020 basicamente permite ao governo federal não cumprir a meta de déficit fiscal que está prevista na Lei Orçamentária de 2020 e ainda isenta o governo de cumprir limites de empenho previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu artigo 65. O Decreto inclusive libera de ser cumprida a redução de salários de servidores, que está no artigo 23 desta mesma Lei. Ou seja, o Decreto Legislativo que estabeleceu as medidas de calamidade pública torna mais flexíveis os gastos públicos, e não traz nenhuma possibilidade e nem necessidade de redução de salários dos servidores públicos. Inclusive é importante citar que a inconstitucionalidade deste princípio de possibilidade de redução dos salários dos servidores (Art. 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal) está sendo votada no Supremo Tribunal Federal (STF), e dos nove ministros que já votaram, seis se posicionaram pela inconstitucionalidade da medida (Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Carmen Lúcia e Marco Aurélio Mello) o que já configura maioria do plenário, contra a posição do relator Alexandre de Moraes, além de Luis Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Só faltam os votos de Celso de Mello e do Presidente Dias Toffoli, que, espera-se, votem em breve, mas seus votos não devem alterar o resultado da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2238, contra a redução de salário de servidores.
– A MP 927 vale para os servidores?
A MP 927/2020 faz expressa referência que os dispositivos nela previstos se aplicam apenas aos empregados regidos pela CLT, contratos temporários e trabalhadores rurais. Aos servidores públicos estatutários, como é o caso dos professores federais, não se aplicam seus ditames. Isso não quer dizer que tenhamos qualquer acordo com essa MP, que ataca brutalmente os direitos trabalhistas dos trabalhadores da iniciativa privada. E, como já dito, ao contrário dos demais países, o Brasil destina muito pouco recurso para socorrer os trabalhadores informais e autônomos, que poderão receber R$ 600,00 em três parcelas (lembrando que o governo queria destinar a esses trabalhadores apenas R$ 200,00, valor que a Câmara aumentou), em uma montante de cerca de 43 bilhões em três meses, o que é muito pouco perto, e ainda estes trabalhadores socorridos poderão apenas ter acesso a crédito, como o do cheque especial, o que na realidade aposta no endividamento das pessoas e não em transferência real de renda. E para os pequenos empresários, que certamente terão grande dificuldades em manter seus negócios, a solução apresentada pelo governo são empréstimos do BNDES a justos de 3,5% ao ano, o que não é uma solução real, como uso de excedentes ficais, de taxação de grandes fortunas e de lucros e dividendos, por exemplo.
– E a redução dos benefícios trazida pela Instrução Normativa 28?
Essa é a última novidade do governo federal, em plena calamidade e com a quarentena tornada compulsória por estados e municípios que seguem corretamente as orientações das autoridades sanitárias, limitando a ida ao trabalho e demais locomoções. O Ministério de Paulo Guedes, por uma abordagem puramente formal da Lei, sem levar em conta a pandemia, manda cortar com a Instrução Normativa (IN) 28, de 25 de março os benefícios de auxílio transporte, adicional noturno e os adicionais ocupacionais (insalubridade, periculosidade, raios-X e afins), sob alegação de que não são devidos porque os servidores estão trabalhando em casa! Parece piada, os servidores são obrigados a trabalhar em casa por força da determinação das autoridades competentes, para evitar a disseminação do vírus e em troca são punidos com redução de benefícios, como se não quisessem ir trabalhar! Talvez só no Brasil e neste governo onde o mandatário maior da nação se diz contrário às medidas recomendadas por especialistas e cientistas, é que isso possa ocorrer. O PROIFES-Federação está recomendando aos sindicatos o requerimento às Universidades e Institutos de que não apliquem a IN 28, por considerá-la inaplicável aos docentes, além de sugerir que representem ao Ministério Público Federal, denunciando essa medida e, ainda, se for necessário, tomará atitudes jurídicas para sustar essa ação absurda.
Fonte: PROIFES-Federação