APUB SINDICATO DOS PROFESSORES DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR DA BAHIA

De mãos dadas com a democracia, pela universidade e por direitos

Jornalista Leandro Demori e o procurador Wilson Rocha dissertam acerca do papel da mídia na guerra jurídica

Dando continuidade ao Painel de Debate Sobre o Lawfare, realizado pelo ADUFG-Sindicato e pela Faculdade de Direito (FD) no Centro de Eventos e Cultura Professor Ricardo Freua Bufáiçal, no Campus Samambaia, o primeiro painel do dia 12 (quinta-feira) teve como temática “Tribunal de exceção e mídia opressiva para interferir em julgamento de processos penais”. Participaram da mesa a diretora da Faculdade de Direito, professora Bartira Macedo Miranda, o deputado estadual Virmondes Cruvinel Filho, o editor-executivo do site The Intercept Brasil, Leandro Demori, e o procurador da República em Goiás, Wilson Rocha Fernandes Assis.

Rocha começou dizendo sobre como este é um tema espinhoso, já que envolve o Ministério Público e colegas procuradores que têm a ver com “o refluxo democrático que o País vive, na minha opinião, até certo ponto com responsabilidade do Ministério Público Federal”. Em sua fala, e também na de Demori, o papel da imprensa no lawfare foi o principal tema abordado. Rocha destacou que é muito perigoso o que ele chama de “casamento ilegítimo” que ocorre entre as forças policiais e os veículos de imprensa. “As duas instituições se corrompem, tanto a justiça quanto o jornalismo, podendo destruir a vida de pessoas selecionadas e historicamente sobram episódios de lawfare”, disse.

“Pobres, mulheres, loucos. Estes conhecem e vivem o lawfare cotidianamente há séculos. Precisamos partir desta crítica estrutural do Direito. O Direito em alguma medida foram instrumentalizadas para lograr fins políticos”, disse, “a novidade é que isto chega a um nível em que as instituições máximas do País e o maior partido político se tornem alvo dessa guerra jurídica e não é novidade que agentes da justiça se unam à jornalistas para atingir estas finalidades políticas”.

“Essas alianças são capazes de viciar vontades e a visão dos responsáveis por emitir um juízo que devia ser neutro”, disse, comentando como isto é evidente na Lava-Jato “uma relação problemática entre atores da justiça e parte da mídia criou condições que desfavoreciam um julgamento isento. Qualquer decisão que contrariasse uma corrente dominante gerava reações violentas, inclusive manifestações de ruas violentas, e os próprios agentes de justiça, está aí no Intercept como se fomentavam essas reações e construíam condições sociais para que a decisão caminhasse em um sentido ou outro”.

Ele disse que tais características de fato determinam um tribunal de exceção. “Essas alianças refletem uma tentativa de transformar o Direito em um discurso performativo, que cria a sua própria verificação, que chama à existência aquilo que ele anuncia”, disse, “quando um membro do Ministério Público ou um policial começa a plantar na imprensa diversas notícias e informações que corroboram a hipótese investigativa dele, ele está criando a realidade que ele pretende denunciar. Você vai construindo no imaginário social uma realidade”.

Rocha encerrou sua fala abordando o Direito Penal. “O processo penal não é para ser um instrumento de punição, mas o que a prática do sistema penal mostra não é bem isso. Até certo ponto ele é só punição. E até qual ponto as liberdades individuais podem ser constrangidas sem ameaçar a própria democracia? Temos mais democracia quando temos mais ou menos Direito Penal?”, questionou.

“As pessoas querem vingança, elas não querem justiça”

Leandro Demori ressaltou algumas passagens abusivas da Lava-Jato reveladas pela Vaza Jato, como uma delação de Antônio Palocci que foi recusada por ser “fraca demais” e do diálogo em que Sérgio Moro fala sobre “quebrar a omertà petista”, que é um termo da Máfia italiana. “A intenção de Sérgio Moro claramente é rachar um partido que tinha a possibilidade de ganhar as eleições e obviamente fortalecer o outro partido”, disse, “é fazer campanha para Jair Bolsonaro sem tirar nem pôr, isto está evidente no discurso”.

Ele argumentou que a Lava-Jato na verdade usou táticas mafiosas para pressionar os delatores, corrompendo o próprio sistema de delação, que deveria ser voluntário, mencionando outro caso revelado pelo The Intercept Brasil de que eles ameaçaram prender a filha de um investigado para obrigá-lo a falar. “Me causa assombro que estas pessoas não estejam sendo devidamente investigadas e que ainda estejam em seus cargos”, ele disse em relação aos procuradores da Lava-Jato.

Ele reforçou uma das últimas matérias publicadas: “no último domingo publicamos junto com a Folha de São Paulo um trecho da conversa que revela que foram gravadas 22 conversas do ex-presidente Lula na época do vazamento daquele áudio do Bessias, uma delas com o ex-presidente Temer. Confirmamos isto com o Temer. Ele não sabia que havia sido grampeado, ele confirmou a conversa com o Lula naquele tempo. 21 grampos até hoje não foram trazidos à tona, apenas um grampo que fez a construção da narrativa de que o presidente Lula aceitaria ser ministro da Dilma para se proteger judicialmente. Isso é construção de guerra jurídica. Os outros 21 áudios, tivemos acesso às conversas dos agentes sobre eles, mostram que na verdade o principal objetivo do ex-presidente Lula era acabar com a crise política e fazer o governo Dilma chegar até o final, inclusive falando com o Michel Temer e outros emedebistas para evitar que chegássemos onde estamos”.

“No Brasil nós temos uma confiança cega nas instituições, muitas vezes pelo jornalismo”, disse. Ele relembrou o caso da Escola Base, um escândalo de destruição de reputação ocorrido nos anos 1990 que é ensinado nas faculdades de jornalismo como caso basilar do que não fazer. Denúncias falsas de abuso sexual levaram ao apedrejamento da escola e da casa dos seus donos. Para ilustrar, ele leu manchetes reais da época: “‘Kombi era motel na escolinha do sexo’. Então no meio da investigação a imprensa criou um rótulo e este casal foi destruído e no fim das contas se descobriu que eles eram completamente inocentes”.

“Existe na imprensa brasileira uma tradição de cobertura policial muito forte até os anos 1980. As páginas policiais eram muito maiores do que as políticas. Há, portanto, a tradição da imprensa brasileira de cobrir a partir dos poderes constituídos e aí obviamente você já traça a narrativa através dessa escolha”, explica. Essa lógica é reproduzida até hoje, inclusive com a Lava-Jato, em escala maior: “então você sempre vai ouvir o policial, o juiz, o procurador, e construir a partir deles tendo, em um segundo momento, o bandido, o vagabundo, o meliante, termos muito usados nos jornais brasileiros até os anos 1980”.

Ele atribui parte da penetração da Lava-Jato nas redações com o timing da crise editorial dos grandes veículos, especialmente impressos. “Passavam por demissões em massa, as marcas de margarina e xampu não queriam mais anunciar nesses veículos. É muito caro fazer jornalismo de qualidade, especialmente jornalismo investigativo. De repente, a Lava-Jato oferece cinco anos de manchetes bombásticas grátis”, critica. “Os procuradores souberam operar isto muito bem. No acervo de chats, a preocupação deles com a imprensa, com qualquer crítica que recebem, com sua imagem, é extrema”, salienta.

“Quem coloca uma crítica contra a Lava-Jato é automaticamente a favor da corrupção. No lavajatismo, só eles são contra a corrupção, todo o resto é a favor. Se você critica, você é corrupto, ou está defendendo corrupto ou quer tirar corrupto da cadeia”, explana, assim como o excelente uso das palavras, “ ‘combate à corrupção’ é um termo muito bom, porque se você não é a favor, naturalmente você é contra. Isso é um uso da comunicação muito simples para a população que é vendida e comprada”.

Segundo o jornalista, estas falácias encontram aderência junto à população porque “no atual estado de coisas no Brasil, as pessoas querem vingança, elas não querem justiça. Por isso, a Lava-Jato é tão forte: ela é um sistema de vingança, porque promove eventualmente justiça, mas no caminho desrespeita leis e comete várias injustiças”.

Fonte: Ascom ADUFG-Sindicato

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