Que o descaso com a ciência é uma das marcas do governo de Jair Bolsonaro, não é novidade. Mas eles conseguiram uma nova façanha: um apagão na plataforma Lattes, que concentra todos os currículos e projetos de pesquisa financiados com recursos públicos no país.
Os pesquisadores brasileiros estão aflitos desde o dia 26 de julho, quando as plataformas digitais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações, ficaram “indisponíveis”. Não se sabe qual a extensão do problema e se isso pode ameaçar a continuidade dos projetos científicos no país. O CNPq financia cerca de 84 mil pesquisadores.
O colapso e a posterior falta de respostas (método habitual do governo) explicitam o total descaso do governo Bolsonaro com o setor.
Para piorar, ao mesmo tempo em que se espalhava a notícia do problema, o ministro da pasta, Marcos Pontes (o ex-astronauta que virou vendedor de “travesseiros da Nasa”), recebia em seu gabinete uma deputada alemã neonazista.
Apesar de ter garantido, em nota, que os pagamentos de bolsas não seriam afetados e que há cópias das informações, o Ministério não mostrou nenhuma ação efetiva para solucionar o problema.
“Só” um encontro com a neta neonazista de um ministro de Hitler…
O fato de Marcos Pontes ter se reunido com uma deputada alemã neonazista justo no dia em que começava o apagão de dados no CNPq é uma representação bastante simbólica dos interesses do Governo Federal. Vice-líder do partido AfD (Alternativa para a Alemanha, na sigla em alemão), Beatrix von Storch também foi recebida pelo presidente Jair Bolsonaro e por políticos extremistas de sua base de apoio, como a deputada Bia Kicis.
Além de dirigente de uma organização marcada por posicionamentos antissemitas, anti-imigrantes e racistas, a deputada é neta de Lutz Graf Schwerin von Krosigk, ministro das Finanças de Adolf Hitler na Alemanha nazista (ou seja, o “homem do cofre”), condenado pelo Tribunal de Nuremberg por crimes de guerra. Seu partido é o único, depois de 1945, a ser investigado formalmente pelo serviço de inteligência do país por adotar posturas que colocam em risco a constituição democrática da Alemanha.
Certamente o fato de ser neta de um dos homens do círculo de confiança de Hitler não a desqualificaria, afinal, ninguém escolhe a família onde vai nascer. Mas o que marca é sua militância radical na liderança de um agrupamento político que só é recebido por párias no cenário mundial.
Na cabeça de Bolsonaro, esse parece ser um currículo suficiente para uma reunião fora da agenda oficial. Acuado e fragilizado diante de inúmeras denúncias de corrupção e do derretimento de sua popularidade, o governo parece ter optado por direcionar certas mensagens para setores ainda mais radicais (que são aqueles com quem ele pretende contar para efetivar suas ameaças à Democracia) e com acesso cada vez mais facilitado a armas de fogo.
É algo muito semelhante a uma postagem da Secretaria de Comunicação (Secom) do governo que postou uma foto de um homem armado (como se fosse um jagunço) para “homenagear” os produtores rurais pelo Dia do Agricultor.
Um governo contra a ciência
O negacionismo cruel do Governo Federal ficou incontestável após o início da pandemia, mas desde o início de sua gestão Bolsonaro trabalha para sucatear as políticas públicas de educação e pesquisa. Em 2013, o Executivo havia destinado R$ 15,4 bilhões para a ciência. Já em 2019, primeiro ano de Bolsonaro no poder, o valor foi de apenas R$ 6,7 bilhões.
Os cortes atingem todas as áreas da produção científica. Em 2021, por exemplo, o CNPq abriu um edital de pós-doutorado e, dos 3.080 projetos considerados com mérito, apenas 12% foram aprovados por restrições orçamentárias. O valor atual do orçamento do CNPq é praticamente a metade do que era em 2000, duas décadas atrás, e bolsas de mestrado e doutorado não recebem reajuste desde 2013.
A pandemia demonstrou a importância da pesquisa científica para a sociedade. No entanto, isso não sensibilizou o governo, que segue reduzindo os recursos de saúde e educação, enquanto abre os cofres para militares e políticos do chamado Centrão.
Ao se encontrar com a deputada alemã neonazista e afrontar os brasileiros e a memória das vítimas do Holocausto, Bolsonaro e os membros de seu governo parecem não considerar que a alcunha de “genocida” (usada principalmente em referência à condução propositadamente catastrófica da pandemia de Covid-19, que levou à morte centenas de milhares de brasileiros) é depreciativa à sua imagem. Talvez considerem um troféu.
Fonte: APUB