Virou praxe os últimos governos brasileiros usarem o termo “reforma” para se referir a algo que tem justamente o objetivo inverso.
Temer usou o termo em sua Reforma Trabalhista, que prometia gerar milhões de empregos e “salvar” a economia, mas que, na prática, gerou empregos precarizados e aumentou o desemprego absoluto, além de não oferecer qualquer benefício econômico para o país.
Jair Bolsonaro usou o mesmo expediente ao resgatar a proposta de Reforma da Previdência de Temer e criar uma versão muito mais perversa. A promessa era a mesma: salvar a economia. Mas tudo o que vai fazer é dificultar o acesso de milhões de brasileiros à aposentadoria.
Agora, a mentira se repete com a chamada Reforma Administrativa (PEC 32/2020). Com a mesma desculpa das anteriores (“salvar a economia”), o governo diz que vai “modernizar” o Estado brasileiro.
Mas não há no projeto nenhuma linha capaz de explicar como isso aconteceria.
A Reforma Administrativa apresenta apenas um conjunto de medidas com potencial altamente destrutivo para os serviços públicos em todo o Brasil.
Impactos reais
No caso das universidades públicas, a Reforma coloca em xeque todos os principais pilares que fazem dessas instituições sinônimo de excelência para a sociedade brasileira. Vamos aos fatos.
Imagine se na rotina de trabalho dos professores pouco importasse a qualidade de suas aulas, seus métodos de pesquisa ou o se o resultado do que fazem é bom para a sociedade.
Imagine se tudo isso fosse um mero detalhe, desde que o docente esteja alinhado ideologicamente com o que pensa, por exemplo, o presidente da República ou o reitor da universidade.
É exatamente este um dos princípios da Reforma: garantir, acima de tudo, que os professores pensem e produzam conteúdos enquadrados dentro de um projeto que não desagrade os superiores.
Os interesses políticos e privados estariam acima dos interesses coletivos.
Como um dos principais objetivos do projeto é acabar com a estabilidade, professores perderiam a autonomia para pesquisar, lecionar, dialogar ou desenvolver projetos de extensão. E sem autonomia, fica impossível garantir a qualidade das universidades públicas (que lideram todos os rankings do país e produzem mais de 90% da ciência brasileira).
Não é de hoje que alguns setores desejam calar os professores universitários. Afinal, ao proporcionar o desenvolvimento do pensamento crítico, estão desagradando os interesses dos setores privilegiados que desejam que tudo sempre continue como está.
Demitir com facilidade
Para facilitar a demissão, a proposta determina a criação de avaliações de desempenho “mais rigorosas” sem, entretanto, especificar como essa verificação seria feita.
É um caminho aberto para a arbitrariedade dentro das instituições porque os termos seriam estabelecidos por simples leis, criadas com base em critérios políticos.
E sem a estabilidade, fica aberto o caminho para a manutenção apenas de quadros ligados ideologicamente ao governante da ocasião. É a completa transformação de uma “instituição de Estado”, impessoal e compromissada com a qualidade em uma instituição pronta para atender as vontades de políticos.
Ao mesmo tempo, a Reforma Administrativa permitiria o loteamento quase completo do espaço público para apadrinhados ou para terceirizações. Na prática, haveria mais facilidade para demitir docentes e demais servidores e substituí-los por indicados políticos ou empresas.
Concursos para quê?
Outro perigo seria ao fim do Regime Jurídico Único (RJU), que regula as relações e princípios entre servidor e poder público.
O mecanismo estabelece procedimentos que garantem isonomia nessa relação, impedindo, por exemplo, a influência de interesses privados na contratação e manutenção dos servidores.
Sem o controle garantido pelo RJU, a funcionalidade dos próprios concursos públicos fica ameaçada, e a Reforma não hesita em mencionar outras possibilidades de manutenção de vínculo. Entre elas, o texto elenca opções em haveria um período de testes, com o servidor podendo ser demitido caso não apresente “desempenho satisfatório”.
Na prática, é certo que o “desempenho” não será o critério mais importante.
Além disso, haverá precedentes para a contratação por tempo indeterminado, mesmo com aprovação do servidor em concurso público. No caso dos professores federais, isso representará o fim da estabilidade, já que não serão enquadrados como “carreira típica”. Ao serem contratados em um regime sem prazo definido, poderão ser demitidos a qualquer momento.
Como se não bastasse a imposição desse cenário, a Reforma também deixa clara a possibilidade do governo contratar apadrinhados de fora das carreiras, para praticamente qualquer função (hoje, isso é limitado a cargos de chefia e dentro de uma certa porcentagem). Serão os chamados “cargos de liderança e assessoramento”.
A desculpa, claro, passa pelo mantra do “aumento da eficiência”, com superiores podendo acompanhar o trabalho dos professores, mas representa nada mais do que o velho cabide de empregos, reunindo indicados do governo sem preparo técnico. Haverá um verdadeiro loteamento, com caminho aberto para prática de corrupção.
Acabar com as mobilizações
É um verdadeiro pacote de crueldades contra aqueles que vêm demonstrando cada vez mais sua importância para a sociedade, inclusive durante a pandemia de Covid-19.
Mas o objetivo vai além: reduzir o potencial de mobilização de docentes e demais servidores. Ameaçando-os com a demissão, o governo acredita que conseguirá acabar com a resistência a projetos que vão contra a educação, contra a ciência e contra os direitos da população.
Como mostramos, o governo não pretende “modernizar” os serviços público. O objetivo é apenas fragilizar os servidores.
Se isso acontecer, toda a sociedade será prejudicada, com imensos prejuízos para o futuro do país.
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Fonte: APUB