No filme Laranja Mecânica de Stanley Kubrick, Alex, o protagonista, passa por um experimento do governo para mudança de comportamento: ao longo de horas, é submetido a imagens, conteúdos visuais e sonoros que vão alterando a sua percepção do mundo. Ao final de várias seções de lavagem cerebral, ele fica ‘domesticado’ e impotente para lidar com a violência do Estado policialesco e da sociedade que o cerca.
O filme é um clássico de 1972, mas a ideia do filme é bastante atual e parece ter inspirado os membros do governo de Jair Bolsonaro que tiveram a ideia de obrigar estudantes a assistir propagandas oficiais para conseguirem acessar a internet gratuita oferecida pelo próprio Governo Federal.
Os anúncios governistas são exibidos a quem tenta acessar a internet pelo programa Conecta Brasil, projeto do Ministério das Comunicações que disponibiliza conexão wi-fi nas escolas públicas.
Projeto eleitoreiro
Sem qualquer ligação com conteúdos pedagógicos, as inserções tratam de programas do governo. Estudantes e professores são forçados a assistir a 30 segundos de propaganda todas as vezes em que se conectam à internet.
Mesmo se as informações fossem de utilidade pública, ainda caberia diversos questionamentos. Mas as peças publicitárias são meramente eleitoreiras. Assim como na Reforma Administrativa e em praticamente todos seus projetos, o atual governo não está pensando no bem coletivo.
O governo transformou uma ferramenta de acesso à educação (a internet) em um instrumento de propaganda política. Isso é abominável. E o fato de o presidente ter tentado vetar a lei que garantia acesso à internet, com fins educacionais, a alunos e professores da rede pública de educação, só comprova que o objetivo do governo agora é exclusivamente eleitoral.
O acesso à comunicação é um direito citado por várias declarações internacionais e também pela Constituição. Além disso, torna-se ainda mais fundamental durante a pandemia, uma vez que se articula ao direito à Educação, que também deve ser obrigatoriamente garantido pelo Estado.
O governo se utilizar dessa conjuntura para fazer autovalorização está no mesmo patamar das motociatas e dos eventos bancados com dinheiro público (que deveriam ser aplicados em políticas públicas) só para tentar manter apoiadores engajados e distantes da realidade do país, só que os gastos com a propaganda no Conecta Brasil são ainda maiores.
No passado, diversos governantes já foram condenados pelo uso da máquina pública em benefício próprio e tiveram que ressarcir os cofres públicos.
Nordeste é o alvo principal
Nas eleições de 2018, a região Nordeste foi aquela em que Jair Bolsonaro teve a votação mais baixa. De lá para cá, a rejeição ao presidente aumentou ainda mais.
Coincidentemente (ou não), cerca de 90% do investimento de R$ 2,7 bilhões no Conecta Brasil foi direcionado a municípios das regiões Norte e, principalmente, Nordeste.
Ditadura e nazismo são inspirações constantes
Em se tratando do governo Bolsonaro, o fato de propagandas massivas, invariavelmente mentirosas e até preconceituosas, serem uma característica presente em diversos contextos ditatoriais não é mera coincidência.
Em diversos momentos desde que assumiu o poder, Bolsonaro demonstrou admiração e inspiração por regimes de exceção como as ditaduras militares latino-americanas e o nazismo alemão.
Em relação à ditadura militar brasileira e seus aspectos mais brutais, como a tortura e os assassinatos políticos, Bolsonaro já demonstrou concordância total. Aliás, achou que mataram pouco.
Quanto ao nazismo, as afinidades também são diversas, e públicas. O presidente já recebeu oficialmente uma deputada alemã neonazista; manteve no cargo o quanto pode um secretário nacional de Cultura que fez um vídeo com estética nazista; fez o mesmo quando seu assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência foi flagrado fazendo gesto supremacista em uma sessão do Senado (e agora foi denunciado pelo MPF por isso), e tanto ele quanto seus filhos têm ligações diretas com grupos supremacistas nacionais e estrangeiros.
A partir da chegada de Adolf Hitler ao poder na Alemanha, em 1933, o regime nazista investiu massivamente em comunicação e propaganda por diversos meios, incentivando o ódio contra minorias e outros povos, estimulando a população à guerra.
Uma das prioridades desses materiais, que hoje causam extrema repulsa, eram os jovens e as crianças, incentivados desde cedo a seguirem a “moral ariana”.
A lição foi aprendida por ditadores de todo o mundo, inclusive no Brasil, com cartilhas escolares e outras tentativas de doutrinação infantil (curiosamente, Bolsonaro foi eleito espalhando fake news sobre doutrinação de estudantes).
Com o golpe de 1964, a ditadura militar também priorizou ações entre crianças e adolescentes, com a difusão de uma “moral” favorável ao regime ocupando espaço importante nas ações de comunicação e educação levadas a cabo pelos militares.
Bolsonaro não perde nenhuma oportunidade de mostrar suas inspirações e objetivos. Para o bem do Brasil, a imensa maioria da população já não aceita seus desvios de comportamento e suas artimanhas com facilidade.
Fonte: APUB