Enfrentar a maior crise sanitária do século já seria difícil em situações “normais” para os brasileiros. Agora, passar por tudo isso e ainda ter o país comandado por um governo negacionista, violento, incompetente e negligente, trouxe muitos impactos na saúde mental da população.
No caso dos docentes universitários, o sofrimento mental foi ampliado pela imposição da adaptação imediata à nova realidade, permeada pela mediação tecnológica durante a pandemia de Covid-19. A conclusão foi apresentada no artigo acadêmico “Saúde mental de docentes universitários em tempos de covid-19”.
Assinado por um grupo de pesquisadores composto por docentes da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e de outras instituições, o texto foi publicado no periódico acadêmico Saúde e Sociedade.
Segundo o estudo, as novas formas de organização do trabalho durante a pandemia que, muitas vezes, precisam ser conciliadas com o trabalho doméstico, ocasionaram alteração em diversos indicadores de sofrimento psicoemocional entre docentes universitários, que se manifestam em sintomas como exaustão emocional, nervosismo, estresse e insônia.
Aumento do estresse em uma profissão já estressante
Profissionais da educação básica e superior foram e ainda estão sendo bastante afetados pela Covid-19 no Brasil. Segundo dados obtidos pelo Instituto Pólis através da Lei de Acesso à Informação, o número de afastamentos por morte entre profissionais da Educação com idade entre 18 e 60 anos aumentou 130% em 2021, em comparação com 2020.
Aliam-se a isso os problemas de saúde mental ocasionados ou agravados pela pandemia e pelo isolamento social. Pesquisas realizadas com docentes universitários na França, no Reino Unido e nos Estados Unidos já haviam detectado quadros de ansiedade entre os professores pelo não cumprimento das demandas pedagógicas, que passaram a ser realizadas de forma remota.
Com base nesses estudos, e também em trabalhos nacionais anteriores, que já destacavam o trabalho de professor como uma das ocupações mais submetidas a situações estressantes, os autores do artigo decidiram empreender uma pesquisa entre os profissionais do ensino superior para entender os efeitos da pandemia sobre sua saúde mental.
Novos modelos de trabalho e dupla jornada
O artigo identificou que um dos principais fatores de ansiedade e estresse entre os professores é a modificação dos processos de trabalho ocasionada pelo ensino remoto.
As dificuldades causadas pelo aprendizado e manejo das tecnologias digitais geraram a “precipitação de sofrimento psicoemocional” entre os docentes.
Além disso, a autocobrança e a pressão por parte das instituições de ensino para a adaptação aos novos modelos de trabalho também foram citadas como fatores prejudiciais à saúde mental.
As alterações na rotina e na forma de organizar o trabalho aumentam o estresse, ocasionando sobrecarga física e mental para os profissionais, o que se agrava quando é preciso conciliar trabalho e tarefas domésticas.
Neste caso ocorre a chamada dupla jornada de trabalho, principalmente para mulheres que agora precisam trabalhar em home office ao mesmo tempo em que cuidam de seus filhos e da família, o que também gera ansiedade e medo de não corresponder às demandas das duas esferas.
“Em um país com sérias iniquidades de gênero, nesse período de pandemia certamente são as mulheres quem mais estão sobrecarregadas”, apontam os autores da pesquisa.
Universidades precisam se responsabilizar
Apesar da alta incidência de problemas de saúde mental não só entre professoras e professores, mas em toda a sociedade, os autores do artigo fazem um alerta importante: nem todos os problemas psicológicos surgidos durante a pandemia podem ser classificados como transtornos mentais ou doenças. Parte dessas situações de sofrimento são, segundo os autores, “reações normais em um momento anormal”.
No entanto, a questão do sofrimento causado pelas novas condições de trabalho e estresse é um contexto social que requer muita atenção, já que quadros de sofrimento relacionados à pandemia, como por exemplo os de transtornos depressivos leves, podem evoluir para casos crônicos de síndrome de burnout (esgotamento profissional) e transporto bipolar.
Como concluem os autores, as instituições de ensino superior precisam se responsabilizar por efeitos e condições que são causadas diretamente pelo exercício do trabalho.
Eles sugerem, assim, que as universidades promovam capacitações para o uso de novas tecnologias e para o planejamento do trabalho em home office, além de acompanhamento dos docentes “a fim de identificar previamente indícios de sofrimento psicoemocional e assim intervir para evitar agravamento do estado de saúde”.
Fonte: APUB