Aparentemente, um dos critérios para escolha dos membros do primeiro escalão no governo de Jair Bolsonaro é a capacidade do sujeito falar coisas desconectadas da realidade, mas suficientes para motivar a turba extremista que (ainda) apoia o presidente.
A educação é a área que mais vem sofrendo por ter pessoas assim no comando.
Depois das fracassadas passagens do olavista Ricardo Vélez Rodrigues, de Abraham Weintraub (o pior da história, que fugiu para os Estados Unidos com medo de ser preso), de Carlos Alberto Decotelli (“o breve”, que caiu após 5 dias por ter fraudado seu currículo) e Renato Feder (“o quase”, que nem chegou a assumir o cargo depois que escândalos foram revelados), veio Milton Ribeiro.
Enquanto Weintraub (que tinha dificuldades com contas matemáticas básicas e com a língua portuguesa) portava-se como um agitador, forçando polêmicas para conquistar admiração entre os setores extremistas, Ribeiro se mostra, aparentemente, menos histriônico. Só que no quesito ‘devia ter ficado de boca fechada’, o atual ministro é um grande competidor (talvez porque ainda esteja tentando “buscar um lugar ao sol” para não cair no completo esquecimento).
Durante praticamente toda a pandemia de Covid-19, Ribeiro não fez um único gesto de reconhecimento pelo esforço dos professores de todas as esferas que se dedicaram para tentar garantir o acesso dos alunos a uma educação de qualidade, em um cenário que exigiu rápida adaptação, aprendizado e reformulação de práticas pedagógicas.
Quando o presidente Jair Bolsonaro tentou vetar a lei que garantiria acesso à internet para fins educacionais, a alunos e professores da educação básica pública, ele afirmou que preferia saneamento. O Congresso discordou e derrubou o veto presidencial.
Não contente, o ministro uniu-se ao coro do presidente Bolsonaro e de apoiadores, que tentaram criar no imaginário da população a ideia de que professores ficaram em casa na pandemia, dando a entender que os docentes não trabalharam durante todo esse período.
Em uma entrevista coletiva no dia 29 de novembro, para anunciar o balanço do Enem 2021, Ribeiro falou que apesar de terem ficado em casa, os professores federais receberam salários em dia.
Deveria ter ficado calado
As palavras do ministro, novamente, serviram apenas para tentar manter a agitação de extremistas que, embutidos em suas próprias nuvens de intolerância e fake news, insistem em continuar disseminando ódio contra professores, especialmente contra docentes de universidades públicas (tratados como inimigos por promoverem o pensamento crítico no ambiente educacional).
Quem consegue enxergar minimamente as entrelinhas, percebe o quanto aquela fala foi ofensiva aos docentes.
Não havia naquele momento qualquer contexto em que o tema fosse relevante, afinal, ninguém questiona se o próprio ministro recebeu em dia seus salários, apesar das dúvidas imensas sobre o quanto ele realmente trabalhou ou não pela educação nesse período.
Em vez de se preocupar com as interferências ideológicas do presidente Bolsonaro no conteúdo do Enem, ou com os baixos índices de inscrição, principalmente de alunos negros e de baixa renda, que escancararam as desigualdades sociais agravadas pelo atual governo, o ministro preferiu desviar o foco atacando os docentes.
“No meio de uma pandemia, diante dos recursos que diminuíram e do lockdown, tive que me conformar com a manutenção daquilo que tínhamos. Não houve no MEC nenhum movimento, nenhum professor de escola federal, reclamando de atraso no pagamento de seu salário, e eles ficaram em casa”, declarou o ministro, se gabando de ter cumprido uma de suas obrigações mais básicas: garantir o salário de trabalhadores que seguiram desempenhando suas funções.
Foi uma forma de tentar desviar-se de assuntos muito mais relevantes, como a crise que sua gestão causou no Inep (instituto responsável pelo exame do Enem, que já trocou 5 vezes de presidente no governo Bolsonaro), aprofundada pela debandada de mais de 30 técnicos que ocupavam cargos de coordenação e assessoria por causa das interferências, assédio moral e incompetência de quem dirige o órgão.
E o “pai da mentira”?
Além de ser ministro, Milton Ribeiro é reverendo/pastor de uma igreja presbiteriana. Em uma entrevista dada à rádio de sua denominação, ele afirmou que está ministro “mas continua pastor”. Em um vídeo (que foi tirado do ar) publicado nas redes sociais de sua igreja, ele afirmou que seu trabalho “é mais espiritual do que político”.
O problema em si não está na possibilidade de as crenças do ministro interferirem no seu olhar sobre a educação. A liberdade religiosa é um valor democrático que está garantido pela nossa Constituição. Os riscos surgem quando há tentativas de impor sua visão, à revelia dos preceitos básicos do Estado Democrático de Direito e da laicidade do Estado.
Só que no caso do ministro, é mais contraditório ainda quando ele reforça ações e repete a metodologia de um governo que tem na distribuição constante de mentiras uma de suas principais armas políticas. “Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira”, diz um trecho da Bíblia (João 8:44), livro que Milton Ribeiro afirma ser a base de sua fé.
Um dos fatores que o levou ao MEC foi sua capacidade ímpar de espalhar mentiras. Em uma de suas vexaminosas exposições, ele chegou a falar que a questão filosófica do existencialismo ensina sexo sem limites, especialmente nas universidades. “É isso que eles estão ensinando para os nossos filhos na universidade”.
Já que ele se diz mais espiritual do que político, falar a verdade não deveria ser um princípio básico que ele deveria preservar?
Declarações infelizes são rotina para o ministro
Há (ou talvez nem haja) um limite muito tênue entre mentir e distorcer a verdade. O ministro parece não levar isso em consideração. As declarações do ministro sobre os professores federais são apenas reflexo de seu total despreparo para uma função tão importante, já que ele constantemente tenta esconder sua incapacidade, criando constantemente falsas polêmicas para manter-se no cargo com o apoio dos setores extremistas que seguem o presidente.
Desde o começo de sua gestão, ele vem contabilizando ações e pronunciamentos que só não envergonham aqueles que já perderam as noções básicas de civilidade e senso de humanidade.
Além de afirmar que as universidades públicas deveriam ser “para poucos”, disse que crianças com deficiência não podem estudar em escolas regulares porque são “de impossível convivência” e atrapalhariam os demais alunos.
Ele também questionou a importância do ensino superior, ignorando que trabalhadores sem diploma têm muito mais dificuldades para conseguir emprego e, quando estão empregados, recebem salários muito menores, em média.
Por repetir discursos de ódio e intolerância contra minorias, está respondendo a um inquérito que corre no Supremo Tribunal Federal (STF). Para se defender, ele usou uma retórica rocambolesca para tentar justificar suas próprias palavras.
Em episódios como a alegre recepção a uma deputada alemã neonazista em seu gabinete ou a defesa de medicamentos ineficazes contra a Covid-19, Ribeiro passa a imagem (ou revela-se) de que não considera que as pessoas são mais importantes. Isso parece conflitar-se novamente com o livro que ele diz seguir, que afirma em outro trecho: “Não é a vida mais importante que a comida, e o corpo mais importante que a roupa?”
Ribeiro defendeu o uso de algum grau de violência para educar filhos (só não exagerar a ponto de matá-los) e já desdenhou do feminicídio, que comparou a um ato de paixão louca.
Ao que parece, ele desenvolveu algum mecanismo acrobático para compatibilizar suas crenças com as opiniões políticas alinhadas ao restante dos membros do governo Bolsonaro.
Currículo vazio
Milton Ribeiro é ligado a uma instituição de ensino que é a 11ª maior devedora da Previdência Social (uma bagatela de R$ 830 milhões).
Ele chegou ao cargo não por seu currículo acadêmica, mas sim porque o governo viu nele mais uma oportunidade de ter na manga alguém capaz de criar polêmicas com posições esdrúxulas mas úteis o suficiente para situações em que precisam desviar o foco de algum assunto incômodo ou quando o presidente e os demais membros de sua equipe estão acuados por terem cometido algum absurdo (o que acontece com frequência inacreditável).
Seu currículo na Plataforma Lattes demonstra uma atuação acadêmica praticamente nula: apenas uma produção bibliográfica (um livro sobre religião) e participações em uma banca de doutorado e em um simpósio sobre religião. Só. Nenhum artigo, nenhum trabalho apresentado em congressos, absolutamente nenhuma contribuição para ensino, pesquisa ou extensão em nenhum nível.
Talvez ele se sinta incomodado ao ver tantos pesquisadores de ponta atuando na produção do conhecimento, desenvolvendo longas e produtivas carreiras, e que são e serão lembrados por suas contribuições inestimáveis para a sociedade.
Sua gestão tem sido marcada por tantos erros, derrapagens, fracassos e crises que, nos últimos tempos, ele se tornou uma metralhadora de baboseiras, disparadas com frequência cada vez maior.
Enquanto ele recebe religiosamente seu salário e ataca professores, nossa Educação segue colecionando recordes negativos, situação que poderia ser diferente se o governo brasileiro fosse composto por especialistas que falam menos e trabalham mais. O atual não é.
Fonte: APUB