Nos últimos anos, a avaliação acadêmica tem passado por um processo profundo de transformação – que visa, sobretudo, responder ao aprofundamento da lógica neoliberal na sociedade – tendo como foco a avaliação “produtivista”, ou seja, baseada na quantidade.
Segundo o pesquisador da USP Marcos Barbosa de Oliveira, esse processo de mercantilização da ciência é o núcleo da reforma neoliberal da Universidade, que tem entre seus pilares a prescrição de que as universidades devem ser administradas como se fossem empresas privadas – portanto a avaliação quantitativa é apenas uma das facetas da transformação da Universidade num simulacro de empresa.
Em outras palavras, para implementar nas universidades públicas, que não visam lucro, uma forma de administração que seja estruturalmente igual à das empresas, é necessário um substituto para o papel do lucro: a produtividade. E para medir a produtividade é preciso medir a produção via avaliação quantitativa.
Disfarçada de “prestação de contas”
De maneira geral, quando se trata de defender esse “novo modelo” de avaliação, afirma-se que ela teria três funções: o aumento da “produtividade”; a prestação de contas à sociedade (por se tratar de um recurso público); e o combate à desídia (um suposto ‘relapso’ ou ‘preguiça’ do servidor público em cumprir suas obrigações).
No entanto, todas elas, de formas mais ou menos disfarçadas, impõem à universidade pública uma transposição da lógica do lucro, em que o mercado dita as regras do que é ou não é rentável, portanto, do que se deve ou não deve produzir em termos de ciência (e não cumprem exatamente as funções que se dizem ser destinadas).
Pesquisadores da UFSM, por exemplo, revelam que as regras ditadas pelo mercado aparecem como mantra em documentos orientadores internacionais e nacionais para educação. Valor agregado, comparação do risco, rankings de qualidade, eficiência, eficácia, redes de governança são algumas das palavras empregadas por diversos economistas e corporações do mercado na e para a educação – criando uma verdadeira cultura de performatividade.
O que é isso?
Cultura da performatividade
A imposição dessa “cultura da performatividade” é um mecanismo chave porque desenvolve uma tecnologia política como forma e meio de governar os processos de medidas e comparação que organizam as condições para governar – implementando a lógica neoliberal em todos os espaços, principalmente naqueles em que a sociedade produz conhecimento sobre o mundo e sobre si mesma.
As consequências são nefastas e atingem docentes de todos os níveis educacionais. Confira alguns dos impactos das disfuncionalidades da avaliação neoliberal na vida acadêmica, elencados por Oliveira:
1. Queda na qualidade de vida dos docentes;
2. Incompatibilidade com o exercício da responsabilidade social;
3. Falta de engajamento na defesa dos interesses da comunidade;
4. Proliferação de más condutas;
5. Erosão da ideia de autoria;
6. Desvirtuamento das citações;
7. Declínio na qualidade da produção;
8. Periódicos predatórios;
9. Desvalorização da docência;
10. Custo;
11. Fetichismo dos rankings universitários
É possível seguir por outro caminho?
O modelo de avaliação neoliberal é fundamentalmente contraditório com os princípios da educação pública, de qualidade, que visa a formação da cidadania e o desenvolvimento do senso crítico, ancorados na produção de conhecimento voltada aos interesses da sociedade, e não do lucro.
Portanto trata-se não apenas de métricas e indicadores, mas do eixo sobre o qual se pensa, se articula e se produz e, consequentemente, se avalia a ciência.
Nesse sentido, a avaliação deve ter como eixos estruturantes as condições para a promoção de culturas colaborativas, a criação de um novo modelo de formação contínua no contexto escolar e acadêmico; e a aproximação da sociedade do “mundo científico” – permitindo a retroalimentação do espírito crítico tanto dentro quanto fora dos muros da universidade, garantindo que a adaptação a novos contextos de trabalho e a produção e inovação científica estejam a serviço dos interesses da própria sociedade.
Fonte: APUB