A conjuntura das Universidades e Institutos Federais e as lutas das professoras e professores do ensino superior público

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A intensificação das mobilizações no campo da educação superior abre espaço para a construção de uma agenda que organize as lutas do próximo período. É necessário ajustar nossos passos ao sonho de uma universidade democrática, contra os ataques ferozes dos setores retrógrados e privatistas. O texto organiza uma leitura sobre o papel das universidades nessa conjuntura e os rumos da greve docente.

A conjuntura política nacional

Lula foi eleito com margem apertada de votos (sendo o seu maior apoio entre aqueles/as que ganham até dois salários mínimos e do Nordeste), contando, no segundo turno, com frente ampla formada pelas forças da esquerda e por forças dirigentes neoliberais. A polarização social expressa nos resultados eleitorais evidencia cisões regionais, de classe, gênero e raça e uma limitada representatividade da esquerda no Congresso, que, em verdade, compõe apenas um terço do Congresso.

Tal conformação aponta dificuldades reais para o Governo Federal implementar o programa pelo qual foi eleito. Num cenário em que as forças majoritárias do legislativo têm poder de ordenar parte significativa do orçamento público, sem barganha com o executivo e barrar iniciativas prioritárias do Governo Federal, os custos das negociações tornam-se muito maiores, com limites concretos.

Do ponto de vista da política econômica, a independência do Banco Central faz com que o Brasil tenha uma das maiores taxas de juros do mundo, entrave para uma política econômica desenvolvimentista. O Arcabouço Fiscal, por sua vez, aprovado em 2023, peca por, a exemplo desse ano de 2024, almejar um déficit zero, que só pode ser alcançado às custas do desfinanciamento de políticas abrangentes de combate às desigualdades estruturais brasileiras.

​​O lugar das universidades federais na atual conjuntura política

O terceiro Governo Lula apresentou uma prioridade na melhoria de qualidade da educação básica, a exemplo da aprovação das diretrizes para valorização dos profissionais da educação básica, do incentivo à educação em tempo integral e à política de transferência de renda para evitar evasão de estudantes no ensino médio.

No escopo das universidades federais, em 2023, além do reajuste linear para servidores/as públicos/as de 9%, o governo reajustou as bolsas, beneficiando as atividades de pesquisa de estudantes da graduação e pós-graduação, reforçando as condições de permanência desses estudantes, a melhoria dos incentivos para estudantes indígenas e quilombolas e a melhoria das bolsas em programas que reforçam a atuação de estudantes no escopo das licenciaturas. Também anunciou a inclusão das universidades no novo Programa de Aceleração do Crescimento.

Nesse cenário, a mobilização da categoria docente cresceu na medida em que professores/as da rede federal entenderam essas ações como limitadas, em uma queda de expectativa, haja visto as transformações fundamentais das universidades e institutos federais empreendidas nos governos Lula anteriores, demonstrando querer respostas diretas para o ensino superior. Faltou e ainda falta uma política de estado em relação às Universidades Federais.

Ainda mais importante, a categoria intensificou a mobilização ao se deparar com as inúmeras perdas dos últimos seis anos, que envolvem enorme defasagem salarial dos/as trabalhadores da educação superior pública (não reposta pelo aumento linear de 9% em 2023), condições precárias de funcionamento das estruturas físicas da universidade, processos de gestão altamente burocratizados, que minam condições de trabalho para ensino, pesquisa e extensão, além do impacto das difíceis condições de permanência estudantil.

Houve um processo fundamental de democratização das universidades e institutos federais, por meio da ampliação do acesso de estudantes negros/as, indígenas, quilombolas, provenientes da educação básica pública, facilitado também pela ampliação e interiorização dos campi e de novas universidades. Essa verdadeira revolução do ensino superior não foi acompanhada da expansão necessária de orçamento destinado para assistência estudantil.

No caso do repasse orçamentário para as universidades, a queda foi brusca e mesmos as despesas mais básicas passaram a contar com recursos escassos, sendo parcela advinda das emendas parlamentares. Em 2023, representou 4,23% do orçamento do conhecimento (dado compilado pelo Observatório do Conhecimento), reforçando a emergência do problema de um financiamento que seja sustentável. Em suma, as instituições federais de ensino chegam em 2024 com plenos desafios para a própria execução dos seus programas.

Potencialidades e desafios da greve nas instituições federais de ensino

Há na greve dos/as trabalhadores/as da educação superior federal, uma visão de que os movimentos sociais, sindicatos e forças sociais organizadas devem assumir um contraponto a essa governabilidade limitada e pressionar para superar os limites políticos do governo assumir o seu programa. É nesse cenário que as greves, portanto, se espalharam em boa parte das universidades federais.

Ainda que a greve passou a ganhar maiorias no cenário das universidades brasileiras, restam desafios de sua condução e organização política em meio ao cenário mais disputado e fragmentado que se instala no âmbito dos diferentes espectros da esquerda e sua posição vis-à-vis o governo Lula. Há setores que criam formas de mobilização alternativa que não impliquem na paralisação total do funcionamento das universidades, especialmente aulas da graduação.

A greve docente e as mesas de negociação

A criação do Ministério da Gestão e Inovação dos Serviços Públicos representou um esforço do governo em aprimoramento da capacidade estatal, depois de um período de forte ataque às burocracias públicas, que tinha como norte a aprovação da PEC 32, com efeitos perversos de desmonte e ataque ao serviço público.

Uma análise das negociações com o governo desde 2023, por meios das mesas para tratar das condições da nossa carreira (Mesa Nacional de Negociação Permanente; Mesa Setorial Permanente de Negociação do MEC e Mesa Específica e Temporária do MGI), deve considerar a abertura de diálogo em contexto de ausência de marco regulatório de negociação coletiva do setor público e os limites dessas negociações, diante das restrições orçamentárias.

As mesas trataram das perdas salariais acumuladas desde 2018 e de um aperfeiçoamento na estrutura de nossas carreiras (Magistério Superior e Ensino Básico, Técnico e Tecnológico – EBTT), estas, uma conquista histórica protagonizada pelo PROIFES Federação e concretizada na Lei 12.772/2012.

A proposta apresentada pelo governo na última rodada de negociação, reforçou a indisposição do governo em apresentar uma solução em 2024 para nossa e as várias categorias em negociação por via de mesas específicas, ainda que, para o magistério superior, tenha apresentado um incremento para a proposta de reajuste atrelado à reestruturação da carreira. Tal rodada foi anunciada como a última etapa da negociação, cuja assinatura deve, de acordo com o governo, se dar no dia 27 de maio. 

Nessa atual proposta, os/as docentes alcançam um aumento maior a cada progressão/promoção (de 5%, com exceção da passagem do adjunto para associado), um ajuste adicional aos lineares que dependem do lugar (classe e nível) que cada docente se encontra na carreira. Leia aqui  a análise detalhada da proposta apresentada pelo governo, produzida pela diretoria da APUB.

O desafio é ainda maior, dado que o governo apresenta a última proposta como a etapa final da negociação, em um contexto de extrema gravidade das enchentes do Rio Grande do Sul, com uma greve docente que já dura, para algumas universidades e institutos, mais de um mês e em contexto de maior pressão orçamentária e possíveis mudanças das projeções em relação ao crescimento econômico do país.

Perspectivas para o legado da greve

A alta mobilização da categoria docente deve manter-se permanente para que seja possível acumular forças para as várias lutas que nos movem em torno da valorização e sustentabilidade das universidades, institutos federais e de seus/suas trabalhadores/as.

Nós estamos em uma luta de longo prazo. As inúmeras perdas históricas que tivemos exigem um enfrentamento estendido e progressivo, pressionando a conjuntura com uma luta política que se unifique nas pautas. A partir da grande conquista de termos escolhido um governo progressista e democrático, tivemos sinalizações fundamentais para reposicionar nossa carreira e a defesa da educação pública.  Uma vitória que almejamos, ainda que insuficiente para o que entendemos como justo, é finalizar esse momento com um acordo dentro do que foi possível em um governo tão disputado.

É preciso reforçar a luta por um piso do magistério superior, que deve aglutinar todos os setores organizados de docentes, que garanta um reajuste anual. Uma das formas de conseguir esse piso é por via de luta legislativa de equiparação ao Piso do Magistério Básico. Hoje, um/a professor/a com titulação de graduação e carga horária de 40 horas tem um vencimento inicial inferior ao piso do magistério básico. Se docentes da carreira EBTT também abarcam ensino básico e se a legislação prevê que há uma equiparação entre magistério tecnológico e superior, então seria possível construir uma base de entendimento de equiparação.

Esta deve ser uma das formas de pensar a educação como um todo – desde a educação infantil até a educação superior, pensando as diferentes pontes entre as carreiras. Além disso, a recomposição orçamentária e a ampliação da assistência estudantil devem ser pautas que unifiquem as categorias das universidades e institutos federais. Devemos criar uma frente em defesa da educação superior, que reverta o longo período de desfinanciamento e que combata o problema da evasão, tornando-a uma prioridade para um projeto político majoritário na sociedade, fundado nos preceitos democráticos de inclusão e combate às desigualdades em diversos níveis. 

 DIRETORIA DA APUB –

22 DE MAIO DE 2024.


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