Joviniano S. de Carvalho Neto
Em 2021, a invasão do Campus do Canela pela Polícia Militar completa 20 anos. Fornece “gancho” para matérias e depoimentos[1], oportunidade para meu depoimento sobre a participação da APUB e minha. Era um momento de mobilização nacional contra ACM e José Roberto Arruda pela violação do sigilo de votação no painel do Senado.
Pedia-se a cassação. Era, então, Presidente da APUB. Acompanhávamos e participávamos do movimento, mas no momento específico da agressão não estávamos na passeata estudantil e, sim, na sede da APUB, local privilegiado de observação, que permitiu rápida intervenção.
- Observatório privilegiado
A localização da APUB era espaço privilegiado para observação. Para os jovens professores vale relembrar. A sede da APUB, de 1985 a 2015, era na Rua Pe. Feijó (ladeira do Hospital das Clínicas).
Na frente, o prédio principal com entrada para a Pe. Feijó, ao lado esquerdo o estacionamento e, após o estacionamento, um elevado pátio avarandado que une o prédio principal a uma construção onde ficava a copa/cozinha e banheiros. No canto direito descia uma escadaria, ladeada por construções onde funcionava a APUB Saúde e apartamento para visitantes, e terminava, no Vale do Canela, junto ao Instituto de Ciências da Saúde.
O pátio / varanda permitia ver o Vale do Canela e, a escadaria, permitia o acesso ao Vale.
- A violação do painel do Senado deflagrou movimento
A violação do painel do Senado ocorreu no ano anterior quando ACM e Arruda teriam acessado os votos que deveriam ser secretos quando da cassação do Senador Luiz Estevão (PMDB- DF) por corrupção. ACM que, fora Presidente do Senado, tentara impedir que Helder Barbalho, então, como em 2021, Senador pelo Pará, fosse eleito seu sucessor. Grande campanha, inclusive na mídia, acusando Barbalho de corrupção. Derrotado, continuou a campanha. Ao levar o que considerava denúncia, revelou, em conversa gravada, que tivera acesso aos votos de cada Senador, na cassação de Luís Estevão, o que desencadeou o escândalo, a sua denúncia ao Conselho de Ética por falta de decoro parlamentar e as pressões pela cassação.
Toda a política baiana era, à época, dividida entre carlismo e anti carlismo. Assim, todas as forças “progressistas”, inclusive nós, na APUB, de um ou outro modo, acompanhávamos e participávamos do movimento contra ACM, de acordo com as características de cada setor.
O modo do movimento estudantil era passeata. Acompanhei, mais como testemunha, a que saiu no dia 10 de maio, que foi barrada, pela polícia, próximo a Casa D´Itália. Não era muita gente. Rareava no Forte de São Pedro. Ali voltei para a APUB (no máximo 1Km) para algum apoio caso necessário. Depois, a passeata, que já pretendia ir para a Graça, “lavar a porta da casa de ACM”, foi para a Praça da Piedade onde foi atacada pela polícia.
Nos dias seguintes, protestos, atos políticos e o movimento estudantil decidiu insistir no objetivo da passeata. Anunciou a passeata para o dia 16. Barrado na Vitória, tentou cortar caminho, pelo Vale do Canela, para chegar na Graça, onde ficava o apartamento de ACM.
A PM barrou a passagem. Nem subir o viaduto para o lado da Graça, nem descer para o Vale.
Na Faculdade de Direito, os professores (Arx Tourinho, Wilson Alves de Souza e Sérgio Habib) tentaram negociar – exibiram habeas corpus permitindo a caminhada. Não adiantou. Chegou a Polícia Federal – o Campus é área federal e devia barrar a PM. Que nada. A PM atacou com bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo. Os estudantes se dispersaram, procuraram abrigo nas unidades.
- Reação da APUB e da universidade
Estava na sala da diretoria, quando a Jornalista da APUB, Ivone (Ivone Maria dos Santos Pinto) avisou. Professor, a PM está invadindo a Universidade. Saí, olhei, vi estouro e vi fumaça e disse para Ivone – denuncie para todo o mundo. A primeira notícia, para a imprensa nacional, saiu, em tempo real, da APUB, Verinha (Vera Guedes) que continua na APUB lembra dos outros funcionários olhando da varanda.
Quanto a mim, desci a escada e cheguei ao ICS, ainda com fumaça. Roberto Paulo, na porta, impedira que policiais entrassem na sua escola, onde estudantes se refugiaram. Depois, lembro que percorri as escolas, Educação, Administração e subi a Faculdade de Direito, onde, em baixo, no estacionamento, a frente do Auditório. Dos Professores, lembro que Arx Tourinho ainda estava lá. A PM já havia abandonado o campo de batalha.
Retornando à APUB, passamos a mobilizar para a reação que seria um momento unânime de defesa da Universidade e um marco da luta anti carlista.
No dia 17, o auditório da Reitoria lotado, manifestações convergentes. Devo ter dito algo. Os jornais da época e os arquivos da APUB podem conter algum registro. Não me lembro do que disse, mas do que fizemos.
A saída da Reitoria em passeata. Eu, exatamente ao lado do Reitor Heonir Rocha, à frente da passeata, na descida, ao lado do ICI – Instituto de Ciência da Informação, chegando ao viaduto sobre o Vale. Lembro de uma foto no Jornal. O Dr. Heonir, grande médico, católico praticante, às vésperas da aposentadoria, não era um militante de passeata. Consciente, se deixou levar, assumiu seu lugar na onda humana. Fomos até a Faculdade de Direito. Lá, alguns estudantes prosseguiram para “lavar” a frente do prédio onde ACM morava, ali, perto na Graça.
A “lavagem” não era atividade oficial da UFBA, nem da APUB. Mas, como Cientista Político e, para possível atuação, acompanhei de longe. A polícia desta vez não atrapalhou.
A “lavagem” foi curta, tranquila e… simbólica.
O impacto nacional da invasão colocou mais pressão no debate sobre a cassação de ACM.
- Continuação da história – contribuição da APUB
Parte da pressão contra ACM partiu da APUB. Em 25 de maio, divulguei, como Presidente da APUB, nota “ACM não é o pai da Bahia” reagindo a “declaração de famosa cantora”. Seria visão que “parte dos baianos tem e foram estimulados a ter”. Criticamos o tipo de pai (possessivo, autoritário, arbitrário) e afirmamos que o apoio baiano a ACM “é um dos mitos que se precisa esclarecer perante o Brasil”. Apresentamos dados sobre as eleições: os votos carlistas nas eleições para governador eram de uma minoria dos eleitores. ACM obtivera 27%, em 1990, e o carlismo, nas eleições seguintes, 1994 e 1998, o máximo de 32%. Os eleitores, não vendo alternativa viável, se abstinham, votavam em branco ou nulo. A nota, ainda resumia o caso, pedia o julgamento e a punição. Não pela nota da APUB, mas pela pressão da qual ela era parte e para evitar a cassação, ACM renunciou ao mandato no dia 30. Assumiu o mandato, Antônio Carlos Magalhães Filho, executivo da Rede Bahia e, destaque-se, reconhecido como competente professor da Escola de Administração da UFBA.
Como a renúncia fora anunciada, o Correio Brasiliense, me encomendou uma matéria “Bahia: efeitos de uma renúncia” que ocupou grande espaço no jornal, no dia 31 de maio. Assino como professor de Ciência Política da UFBA, Presidente da Associação dos Sociólogos dos Estado da Bahia e da Associação dos Professores Universitários da Bahia (grifo nosso). Na matéria, apresentava “as bases de poder de ACM”: controle das máquinas partidária – administrativa do Estado, propriedade e controle da mídia e a reputação de poder, a imagem de força. Esta última teria sido atingida pela renúncia. Depois, tratamos da reafirmação carlista e da campanha de 2002 onde o carlismo procuraria se entrincheirar na Bahia.
Realmente, em 2002, ACM se elege Senador (30,6%) e Paulo Souto (53,7%) Governador. Mas, Jacques Wagner, candidato a Governador, pelo PT, obteve 38,5% dos votos, muito acima das previsões das pesquisas. Em 2006, Wagner vence, no primeiro turno, também contra as pesquisas que davam vitória de Paulo Souto no 1º turno.
Em entrevista para explicar a vitória “inesperada” lembrou que as vitórias carlistas vinham dos eleitores que não votavam para governador. Foto de ACM, obtida por jornal, mostra seu debacle com a derrota.
[1] RAMOS, Cleidiana. Repressão a estudantes em invasão do Campus da UFBA completa 20 anos, A Tarde, 15/05/2021, pág. A 08.
Foto: Wandaick Costa. Publicada na Exposição digital “20 anos do maio baiano”, Centro Sérgio Buarque de Holanda de Documentação e História Política – Fundação Perseu Abramo.