Interferências políticas nos cargos e na administração pública tendem a prejudicar a qualidade dos serviços e deixar a sociedade desprotegida.
Imagine, por exemplo, um presidente da República que seja a favor do desmatamento e troque constantemente os chefes de instituições ambientais, ou que a família desse mesmo presidente tenha um histórico de práticas de corrupção e o mandatário faça todo tipo de pressão para mudanças nos cargos de órgãos investigativos, como a Polícia Federal.
Quanto menos mecanismos que impeçam situações do tipo, pior será a qualidade dos serviços e cada vez mais o Estado brasileiro servirá como “puxadinho” de políticos, dispostos a rechear os cargos da máquina pública com indicações de apadrinhados para atenderem seus interesses particulares.
Realidade brasileira
No Brasil, a imensa maioria dos cargos públicos são ocupados por servidores aprovados em disputados concursos públicos, que atestam a qualidade e capacidade técnica dos candidatos. A maior parte dos concursos são extremamente disputados, com centenas ou milhares de candidatos para cada vaga.
E aqueles que dizem que qualquer instituição pública é tomada por “militantes” ou qualquer coisa do tipo estão apenas lançando mentiras para enganar a população, afinal, concursos públicos não têm como levar em conta a filiação partidária, as opções ideológicas, a religião ou o grau de parentesco dos candidatos.
Depois da aprovação e do ingresso, os servidores passam por constantes aperfeiçoamentos e, ao contrário dos discursos oportunistas, podem sim ser demitidos mediante falta grave ou desempenho insatisfatório.
É evidente que na estrutura pública (inclusive dos países desenvolvidos), existem cargos de confiança (chefia ou direção), que podem ser ocupados por servidores de carreira ou por pessoas de fora com qualificação comprovada.
Mesmo assim, proporcionalmente, essa é a realidade de menos de 1% de todos os cargos ocupados na esfera federal. E há regras bem rígidas que limitam a ocupação por pessoas de fora, sem concurso.
Portanto, a tão repetida “mamata” no serviço público e os supostos “cabides de emprego” não existem porque, nas últimas décadas, a legislação foi aprimorada para evitar que a máquina pública seja completamente loteada, como desejam os políticos oportunistas.
Nessa conta não estão incluídos políticos e seus assessores, porque nenhum deles é aprovado em concurso público e, portanto, não podem ser considerados servidores públicos de carreira.
Se não existe “cabide”, por que o governo quer criar?
Ao contrário do que diz o Governo Federal e a velha mídia (cujos interesses são os mesmos quando é para privilegiar as elites), a proposta de Reforma Administrativa (PEC 32/2020) não pretende “modernizar” o Estado
Na verdade, não tem uma única linha sequer do projeto que demonstre qualquer benefício. Tudo o que ela vai fazer é repassar para a iniciativa privada as responsabilidades sobre a prestação de serviços públicos, para transferir também os recursos financeiros.
E também vai reduzir os mecanismos de controle.
Na prática, o Brasil vai retomar os ares do “coronelismo” que dominava o serviço público antes da Constituição de 1988, quando o concurso público ainda não era obrigatória para a imensa maioria das funções.
Acabar com a estabilidade para “facilitar as coisas”
Um dos principais objetivos é acabar com a estabilidade dos servidores, para facilitar a demissão daqueles que não cumprirem com os desejos dos governantes, gestores ou chefes corruptos. Tanto o assédio moral como os desvios de recursos serão facilitadas.
Servidores também serão perseguidos e demitidos com mais facilidade por razões políticas, ideológicas, religiosas e até pessoais.
Em seu lugar, governantes oportunistas poderão contratar apadrinhados, sem limites. Explicamos isso no ponto seguinte.
Cargos de liderança e assessoramento, a base do “cabide de emprego”
A Reforma Administrativa cria a função de “liderança e assessoramento”, que irá institucionalizar o apadrinhamento político. Não haverá mais percentual máximo de ocupação de cargos por pessoas sem concurso, inclusive para os cargos técnicos, o que hoje é proibido.
Estima-se que só na esfera federal sejam destinados mais de 100 mil cargos sejam ocupados por apadrinhados. Fora as esferas estadual e municipal.
É um jogo muito bem amarrado por parte do Governo Federal, mas que se estenderá por todo o poder público.
A combinação entre o fim da estabilidade, a facilidade de demissão e a ocupação geral de cargos por apadrinhados políticos vai transformar em realidade uma das maiores mentiras espalhadas contra os serviços públicos: o cabide de emprego.
Parece bom para o Brasil?