ARTIGO | “Comemoramos pouco, mas esperançamos muito”

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*Ana Lúcia Barbosa Góes
Li em algum lugar que não lembro exatamente onde, uma frase que dizia que o Brasil não é para iniciantes. Essa frase nunca me foi tão real como o que temos vivido nesses últimos anos.

Vivemos hoje uma condição organizada e articulada de ataques e desmonte, cujo objetivo único é destruir as Universidades e Institutos Federais de Ensino Superior. Trago alguns pontos que tenho presenciado enquanto vice-presidenta da APUB Sindicato (Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino Superior da Bahia) para desenvolver o argumento.

  1. Cortes orçamentários. Segundo pesquisa realizada pelo Observatório do Conhecimento, a estimativa é que entre os anos de 2015 a 2022, tenha ocorrido perdas acumuladas no conhecimento de 100 bilhões de reais. Em associação, o governo federal instituiu sucessivos cortes nas verbas discricionárias, que são responsáveis por manter o funcionamento básico da Universidade. Se pagam com elas, portanto: água, energia e funcionários terceirizados. Elas também são direcionadas para bolsas de ações de permanência estudantil da população socioeconomicamente mais vulnerável.
  2. Permanência e acesso dos estudantes nas universidades. Um ambiente de ensino-aprendizagem sem estudantes não tem necessidade de ter professores. As universidades federais, em especial, as da Bahia, se orgulham de ter transformado a cara da universidade, após a adoção da política de ações afirmativas, especialmente a de cotas. Hoje cerca de 65-70% dos estudantes são da periferia, negros, quilombolas, indígenas, e expressam a cara da sociedade na universidade. Quando não há condições de oferecer permanência para esses estudantes o resultado é adoecimento (inclusive físico, pois muitos passam por desnutrição alimentar) e evasão. A pandemia agravou esse quadro. Quanto ao acesso ao Ensino Superior, tivemos o menor número de inscritos considerado pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), em 2021 apenas 4 milhões de pessoas se inscreveram para o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio).
  3. Precarização das condições do trabalho docente. A pandemia nos levou a uma situação de trabalho remoto emergencial, transformamos nossa casa em sala de aula, tivemos que conciliar os cuidados domésticos com o trabalho em um só ambiente, fomos obrigados a desenvolver novas habilidades em tecnologia de informação e comunicação. Nossa renda foi devorada pela inflação, sem aumento nos últimos 7 anos, e segundo o PROIFES Federação (Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico), a perda salarial chega a 32,9%. O resultado desse processo foi o adoecimento de nossa categoria.
  4. Reforma do Ensino Médio (Lei 13.415). Tal reforma retirou a obrigatoriedade de disciplinas como Sociologia, Filosofia, Educação Física e Arte. Os conhecimentos que permeiam essas disciplinas incentivam as pessoas serem cidadãs, a se reconhecerem dentro de contextos de vidas, e a desenvolver opiniões que enriquecem as relações sociais. A reforma é contra esses incentivos, e quer a população alheia à sua própria realidade, para que seja mais fácil aprovar outras leis que a prejudique.

Mesmo com tudo foi listado aqui, é importante salientar que estivemos em luta nos últimos anos a favor de uma educação que seja a expressão de um projeto de Brasil mais humano, igualitário socialmente, diverso, que conviva com as diferenças, que aceite o contraditório, que coloque a democracia como condição fundamental da existência humana. Por isso, devemos também celebrar, pois você professor e professora, seja em que nível estiverem, no Ensino Básico, Técnico, Tecnológico, no Ensino Médio, Fundamental, Superior, Público ou Privado, que se identifica com a arte de compartilhar saberes, escolhemos a docência como missão, e tornamos cada aula que damos em um ato de resistência.

Celebremos o nosso dia! Parabéns pelo dia 15 de outubro!

Resistir é o que nos resta agora para que mais a frente nós possamos ter a esperança de que, como dizia Cazuza, estamos por um triz para o dia nascer feliz.

*Ana Lúcia Barbosa Góes é vice-presidenta da APUB Sindicato.