A Ciência é, por definição, objetiva e imparcial, porque parte fundamentalmente de conclusões factuais baseadas em pesquisas, experimentos e estatísticas. No entanto, os experimentos científicos são feitos por pessoas, que são seres subjetivos e podem carregar vieses, conceitos e preconceitos sociais.
Para completar esse quadro, ainda há a brutal desigualdade de acesso ao meio acadêmico, sobretudo na pós-graduação, que historicamente deixou de lado recortes importantes para analisar a realidade como as questões de gênero e raça.
Existem vários exemplos de como essa “ausência de diversidade” pode trazer riscos para a população. Reportagem da BBC trouxe o caso dos estudos sobre acidentes automobilísticos que considera apenas bonecos com corpos e proporções masculinos. Se há o avanço na ciência de salvar mais vidas com esses estudos, a parcela das mulheres ainda corre risco – elas são as que mais ficam presas em acidentes desse tipo, porque possuem a pélvis proporcionalmente maior que os homens e isso não é levado em conta.
No caso da população negra brasileira, apenas com o avanço do SUS nos anos 90 é que o país passou a ter políticas para a doença falciforme, que acomete a população negra, porque antes não havia sequer esse tipo de diagnóstico.
Há três fatores importantes que ainda sustentam a desigualdade no meio científico: a referência branca, masculina e europeia para a maior parte dos estudos, sobretudo nas áreas de saúde; a dificuldade de acesso da população negra e feminina às etapas mais avançadas das carreiras acadêmicas; e, mesmo quando conseguem furar o bloqueio, há a falta de reconhecimento e valorização dos conhecimentos produzidos.
Uma pesquisa da Universidade Stanford, uma das mais renomadas dos EUA, identificou um paradoxo entre diversidade e inovação: negros e mulheres produzem pesquisas mais inovadoras do que seus colegas brancos, mas seus estudos ganham menos destaque devido ao preconceito. Além disso, existem em menor quantidade porque os dois grupos estão pouco presentes na academia, por causa das várias barreiras de entrada. No Brasil, a cena se repete. Um levantamento recente mostra que apenas 15,4% dos alunos de pós-graduação do país são pretos ou pardos.
Segundo o estudo de Stanford, as chances de mulheres ingressarem no corpo docente de uma universidade são 5% inferiores às dos homens. No caso de pessoas negras, as chances são 25% menores do que as de brancos. Quando não há diversidade na porta de entrada, torna-se mais difícil questionar as referências adotadas. Esse fenômeno é perceptível quando a porta começa a se abrir.
A Fapesp revelou em publicação o início do impacto do aumento da presença de negros no ensino superior. De acordo com a publicação, diferentes áreas do conhecimento começam a considerar aspectos étnicos e raciais nas atividades de ensino e pesquisa.
Enquanto em cursos da área de saúde um dos esforços tem sido estruturar disciplinas que levem em consideração doenças que acometem com mais intensidade pessoas negras, assunto que historicamente foi relegado a segundo plano, nas ciências humanas e sociais ganha impulso a revisão de conceitos estabelecidos a partir de referenciais teóricos exclusivamente europeus ou norte-americanos.
Um dos exemplos apresentados foi o caso da adoção de política de cotas na UFRGS, revelada em pesquisa realizada por Adriano Souza Senkevics, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). O pesquisador identificou que a universidade passou a oferecer, em agosto de 2020, no curso de medicina, uma disciplina voltada a questões étnico-raciais. Isso não é o pouco. É o primeiro passo para a humanização e a ampliação do conhecimento científico – que deve ir além do padrão branco-europeu.
A mesma lógica se aplica no caso das mulheres que ainda sofrem com modelos anatômicos em cursos de medicina que tratam os corpos femininos como “corpos masculinos com apêndices”.
O impacto em desenvolvimento de pesquisas e políticas de saúde voltadas para mulheres é gigantesco e, em escala mundial, pode avançar em medidas e inovações com potencial de salvar milhões de vidas.
Fonte: APUB