Autonomia universitária e liberdade de cátedra são inerentes à democracia, afirmam juristas e educadores

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Um consenso permeou o debate sobre autonomia universitária e liberdade de cátedra realizado na última quarta-feira, 14, no Centro Cultural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Juristas e educadores se reuniram para traçar cenários e perspectivas sobre o tema pós eleição defendendo que a Constituição Federal continue a ser o limite mínimo para a educação nacional. 

O reitor Rui Vicente Oppermann coordenou o painel que inaugurou o ciclo Conjuntura Nacional na Perspectiva de Futuro, promovido pela universidade e pelo Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados (ILEA), e se manifestou contrário a tentativas de restringir a atividade acadêmica. Oppermann afirmou no evento que “a autonomia é orgânica à universidade. Não vamos ficar em silêncio”, declarou. Segundo o reitor, a ideia dos painéis (veja os próximos temas) é debater cenários a partir da eleição de Jair Bolsonaro. Este ciclo, explicou, “surge como uma possibilidade de aproveitarmos esse momento inédito na história do Brasil, onde temos uma mudança de governo com uma mudança de campo político, e debater o futuro”. 

Pela primeira vez, democraticamente, os brasileiros elegem um presidente da extrema-direita alinhado a ideias conservadoras e autoritárias que desafiam a educação e colocam em xeque o papel do professor. Uma das principais bandeiras do presidente eleito, o Escola Sem Partido aponta “deveres” para os professores como não promover opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias e, proíbe expressões como “ideologia de gênero” em sala de aula. Com o slogan “Por uma lei contra o abuso da liberdade de ensinar”, o projeto tem gerado debates acalorados e também reações da comunidade acadêmica e de entidades, como a Advocacia Geral da União (AGU), o Ministério Público Federal (MPF) e o Supremo Tribunal Federal (STF), que mesmo antes das eleições declarou inconstitucionais ações policiais realizadas em universidades onde houve apreensão de materiais, impedimento de aulas e eventos e intimidação de professores.

Convidado para falar neste primeiro painel o procurador da República, Enrico Rodrigues de Freitas, do Ministério Público Federal, defendeu que a autonomia universitária é uma expressão ligada à essência do Estado Democrático de Direito e portanto “não existe democracia sem autonomia da universidade e não existe autonomia da universidade sem Estado Democrático de Direito”. Enrico acredita que o STF, da maneira como está constituído hoje, salvo uma ruptura institucional, deve declarar o Escola Sem Partido inconstitucional. A corte marcou para o próximo dia 28 de novembro a apreciação do projeto estadual da Lei da Mordaça implantado em Alagoas. A legislação alagoana, denominada Lei Escola Livre, foi suspensa por decisão liminar do relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, em março de 2017. Se o plenário do STF seguir o entendimento do relator, o julgamento poderá servir de precedente contra a lei federal, caso o projeto Escola sem Partido seja aprovado no Congresso.

Em entrevista ao Portal Sul 21, Oppermann declarou que a nova lei seria um retrocesso monumental, histórico para as universidades e para a educação, opinião corroborada pelo procurador Enrico que comparou as ideias do projeto aos debates da idade média, quando a autonomia universitária era a pauta da greve dos estudantes da Universidade de Paris entre 1229 e 1231. Foi após essa greve, que o Papa Gregório IX outorgou à universidade novos estatutos por meio da bula papal Parens Scientiarum, e começou a se aplicar o conceito de autonomia universitária. 

Enrico é o procurador que arquivou a representação contra o curso O golpe de 2016 e a nova onda conservadora do Brasil, promovido pela UFRGS, e recomendou a instituições públicas de educação básica e superior que garantam a liberdade de ensinar e aprender. Segundo Enrico, os questionamentos jurídicos sobre os “limites” da autonomia da universidade sempre estiveram ligados à questão administrativa e financeira, os questionamentos “morais” começaram há cerca de três anos, atrelados ao Escola sem Partido, o que abriu espaço para assédio moral, censura e até autocensura por parte de professores. Nesse sentido, o procurador-geral da UFRGS, Saulo de Queiroz, afirmou que a Constituição é um marco indispensável, “um ponto inicial que deve ser o limite mínimo do que devemos considerar como autonomia universitária”.   

O professor aposentado da Faculdade de Direito da UFRGS, Manoel André da Rocha, falou no evento que a universidade levou muitos anos para ter sua autonomia constitucionalizada, mas “não podemos nos entregar à euforia dos resultados obtidos sem pensar que o futuro ainda não veio”. O professor questiona a interpretação da Constituição feita pelo projeto Escola sem Partido. Para ele, a Constituição deve ser lida sempre no sentido da liberdade e da garantia dos direitos fundamentais. “Deve transformar a universidade em um território livre, imune de pressões. Os textos constitucionais, quando aplicados, devem ter uma visão amplificadora, nunca limitadora”, disse. Para André da Rocha, o STF é o guardião da Constituição, mas os direitos previstos nela devem ser incorporados no dia a dia dos cidadãos. “É necessária, uma vigilância permanente para que a Constituição se cumpra”, disse. 

Após as falas dos painelistas, as professoras Maria Beatriz Luce, da Faculdade de Educação, e Céli Pinto, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, ativadoras do debate, encerraram o debate. Luce destacou que “o desabafo para este momento é estarmos juntos e articular ideias para que as próximas gerações tenham educação democrática e possam viver a universidade na plenitude do que ela pode ser”. A professora Céli Pinto foi contundente ao afirmar “que antes de qualquer coisa, temos que lutar para manter a democracia”. A professora disse não ter otimismo diante de sinais ameaçadores de ruptura democrática “a universidade não tem como se proteger em momentos antidemocráticos. Se não houver democracia extramuros, não haverá universidade autônoma e livre”, afirmou.

O próximo evento do ciclo, sobre Cenário Econômico, será no próximo dia 21 de novembro (quarta-feira) às 18h no Centro Cultural da UFRGS. 

Texto e fotos: Manoela Frade / ASCOM ADUFRGS-Sindical