Como as redes de desinformação sobre a cloroquina atacam a Ciência do Brasil

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Desde fevereiro de 2020, o Brasil lida com a pandemia do novo Coronavírus. A partir dos primeiros casos detectados, cientistas de todo o país têm trabalhado em busca de soluções para o enfrentamento da doença.

Mas, além de combater um vírus altamente contagioso e mortal, os brasileiros vêm enfrentando outro perigo: um governo que nega o conhecimento científico e aposta na disseminação de mentiras para prorrogar ao máximo a crise sanitária, mesmo que isso custe a vida de centenas de milhares de pessoas.

Enquanto a ciência aponta a vacinação, a testagem em massa e o isolamento social como as principais medidas para contenção do vírus, o presidente da República, Jair Bolsonaro, os membros de seu governo e seus apoiadores radicais propagam o discurso de um suposto “tratamento precoce”, que seria feito com base na cloroquina – remédio utilizado contra malária e lúpus.

Apesar dos alertas de diversos institutos nacionais e internacionais, além da OMS (Organização Mundial de Saúde), afirmando que não há remédio comprovadamente eficaz para a cura ou para a prevenção (há estudos que mostram o contrário e a própria OMS afirmou que a cloroquina “provavelmente aumentou os eventos adversos”), o Ministério da Saúde elaborou um protocolo indicando o uso da cloroquina (junto à ivermectina e à azitromicina). 

Em seus pronunciamentos no período, Jair Bolsonaro afirmou que “os cientistas futuramente podem mudar de ideia” (sobre a indicação), “que elas têm baixo custo e não representam risco à saúde” (sobre as drogas) e que elas não teriam “efeitos colaterais”. 

Entretanto, com o aumento do uso dos medicamentos, aumentaram também os relatos de problemas, como hepatite medicamentosa (doença no fígado) em pacientes que consumiram ivermectina.

Vale ressaltar que o presidente tem carreira militar e não possui qualquer tipo de qualificação na área da saúde, assim como seu ex-ministro, Eduardo Pazuello, outro responsável pela catástrofe brasileira.

Em janeiro de 2021, durante a crise de oxigênio e de UTIs no Amazonas, cujo caso também será investigado pela CPI do Genocídio (CPI da Covid-19), Bolsonaro chegou a responsabilizar a comunidade pela situação: em uma transmissão ao vivo, afirmou que a doença tem “tratamento precoce” e “só não usa quem não quer”.

Exército produz cloroquina

Sob sua orientação, o Exército Brasileiro fechou mais de R$ 1,5 milhão em contratos sem licitação para produzir cloroquina ou comprar insumos entre março e maio de 2020. Ao longo do ano passado, foram fabricados 3,2 milhões de comprimidos, quantidade 25 vezes superior ao habitual por ano.

Por causa da propaganda do presidente e de seus apoiadores sobre a cloroquina, sua compra em farmácias e drogarias cresceu 110,3% na comparação com 2019.

Em nosso mapa interativo, criado com dados do Governo, divulgados a partir da Lei de Acesso à Informação, mostra que cerca de 440 mil comprimidos foram enviados a hospitais, depósitos e postos militares; 348.240 mil não possuem informação de destino, e o restante foi distribuído em todas as regiões do país.

[MAPA INFOGRÁFICO INTERATIVO]

O mapa mostra que há uma certa correlação entre a quantidade de cloroquina distribuída e a aprovação ao governo de Jair Bolsonaro, de acordo com cada região do país.

Há várias possibilidades de interpretação. Por exemplo, pode indicar que o governo enviou mais medicamentos para regiões onde já possuía maior aprovação e base eleitoral mais fiel, na expectativa que governadores e prefeitos reforçassem o discurso “oficial” e ajudassem a manter a população constantemente envolvida nas fake news disseminadas pelos próprios membros do governo e por seus apoiadores, focada no uso político do negacionismo.

Porém, avaliando a ineficácia no uso do medicamento, a maior parte das prefeituras dos municípios brasileiros optou pela sua não utilização.

Fake News

Para fortalecer a adesão ao medicamento, foi criada no Brasil uma rede de desinformação, composta em sua grande parte por apoiadores do Governo Federal, que questiona as afirmações científicas sobre o vírus a partir de redes sociais, como o Facebook, Twitter e Youtube, e aplicativos de mensagens, como o WhatsApp e Telegram.

Algumas mensagens foram compartilhadas, inclusive, pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência, que também está sob investigação da CPI do Genocídio, assim como um “gabinete paralelo”, que seria formado por pessoas de diferentes áreas, como a médica oncologista Nise Yamaguchi e empresários, para criar estratégias de disseminação das mentiras do governo sobre a pandemia e de divulgação de medicamentos sem eficácia cientificamente comprovada. 

O objetivo disso tudo, desde o começo, é desacreditar as evidências científicas, fortalecer o negacionismo e promover a cloroquina (junto aos demais medicamentos ineficazes), como parte de uma estratégia política de aumento da contaminação e prolongamento da pandemia.

Para isso, eles divulgam informações falsas e falas distorcidas, e realizam ataques a pesquisadores e a cientistas (inclusive, com ameaças de morte).

As investidas dos apoiadores do Governo contra pesquisadores têm a intenção de promover danos às suas reputações e carreiras e, principalmente, coagir as pessoas para que deixem de publicar seus estudos. Os dados trazidos por profissionais respeitados em suas áreas são questionados pelas milícias virtuais porque, via de regra, desmentem teorias dos governistas (inclusive os argumentos conspiratórios criados para espalhar paranoias na população).

Com frequência, as universidades públicas são atacadas por essas mesmas milícias. A situação só demonstra a gravidade das perspectivas da Ciência no Brasil.

O papel da ciência no combate à pandemia

Foi a partir das pesquisas – a maior parte realizadas dentro das universidades públicas -, que o país ampliou sua capacidade de testagem; desenvolveu previsões sobre o avanço da doença; avaliou a capacidade de contágio do vírus; atuou na criação de vacinas, e desenvolveu estudos sobre protocolos, medicamentos e novas tecnologias, como respiradores mais acessíveis.

Em novembro de 2020, a produção científica brasileira ocupava a 11ª posição no ranking mundial de países que mais publicaram estudos sobre a Covid-19, superando, por exemplo, Holanda e Japão. 

Apesar disso, o investimento do Governo Federal em ciência durante a crise sanitária mundial tem sido ínfimo. Com previsão de R$ 466,5 milhões para pesquisa e desenvolvimento relacionados ao enfrentamento da doença, até março de 2021, apenas dois editais no valor de 60 milhões de reais cada haviam sido publicados.

A comparação com outros países assusta: os Estados Unidos destinaram 6 bilhões de dólares exclusivamente para pesquisas sobre a Covid-19, e o Canadá ampliou em cerca de 12% os investimentos federais em pesquisa e desenvolvimento. 

Cortes nas universidades

Dando sequência ao projeto de sucateamento progressivo do ensino superior federal, o orçamento do governo para o setor neste ano prevê uma redução de 20% (cerca de R$ 1 bilhão) em relação a 2020. Isso coloca em risco (novamente) o funcionamento de várias instituições e impactará projetos de pesquisa, ensino e extensão, além de investimento em ações de assistência estudantil, que garantem a permanência de estudantes de baixa renda.

Na UFBA a redução será de 18,37% (mais R$ 30 milhões no orçamento de despesas discricionárias, retrocedendo ao valor de 10 anos atrás). Somando com as demais instituições federais na Bahia, a perda seria de R$ 70 milhões.

Vale lembrar que o mesmo governo destinou R$ 3 bilhões para um orçamento secreto que usava recursos para beneficiar centenas de políticos (deputados e senadores) da base de apoio, inclusive para a compra de tratores e equipamentos agrícolas superfaturados.

O governo trata a ciência como inimiga, porque ela é exatamente o oposto do negacionismo, que é a base de sustentação de uma política construída a partir da violência anti-intelectual e do pensamento anticientífico.

Não à toa, pesquisas mostram que parte significativa dos apoiadores do governo acreditam que a Terra é plana…

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Fonte: APUB

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