Ficar em cima do muro não pode ser uma opção para quem deseja salvar as universidades públicas

Muito antes da pandemia (desde o golpe dado por Michel Temer para assumir o poder, em 2016), o encontro das correntes ultraliberais com o neoconservadorismo hipócrita e demagogo que formam as bases do governo Bolsonaro já sinalizava os perigos para a educação.

O que aconteceu depois foi uma crise jamais vista em todos os níveis do campo educacional no país.

Na educação e na ciência, percebe-se uma tentativa crescente de intervenção política e de censura, os cortes de recursos e uma assustadora tendência a se implantar o retrocesso e aniquilar conquistas.

O obscurantismo vem ganhando força nos últimos anos, e as 660 mil mortes por Covid-19 em um país que tem o mais abrangente sistema de saúde pública do mundo é a prova disso.

Ataques

A partir da posse de Jair Bolsonaro, 2019, as comunidades acadêmicas de instituições públicas de ensino superior tornaram-se alvos de ataques violentos por parte de apoiadores do governo, com mentiras disseminadas em redes sociais e grupos de aplicativos de mensagens.

As origens são várias, e passam tanto pelas ‘elites’, que não desejam que jovens tenham capacidade de analisar a realidade (e descobrir que as fontes de desigualdades partem daquelas mesmas ‘elites’), como pelos extremistas, cujas pautas não são compatíveis com um ambiente democrático e plural.

A tentativa de interferência e ataques às universidades públicas fere diretamente a Constituição de 1988, que, em seu artigo 207, deixa claro que as universidades “gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

A carta magna reforça ainda, em seu artigo 208, que o Estado deve garantir o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. Na prática, o que se percebe hoje no MEC é uma desvalorização contínua da universidade pública e de todos os níveis do ensino no Brasil.

Toda essa autonomia incomoda profundamente governos autoritários, como o atual.

Diante de todo esse cenário, cabe à comunidade acadêmica e a todos os que já passaram pelas universidades públicas, defender a educação contra todas as tentativas de desmonte.

É hora da universidade pública mostrar a sua força!

Diante desse caos, a universidade tem que se politizar (no sentido grego, de debater a sociedade, não de partidarizar).

É preciso travar um debate sobre o papel da universidade na sociedade, sobre qual a função de uma universidade pública e quais as diferenças de concepções e práticas em relação ao ensino privado. Mostrar na real o quanto a universidade produz e devolve para o país em conhecimentos que serão aplicados para resolver problemas reais da população.

É necessário lembrar a história do nosso país, com uma educação que privilegiava as pessoas das camadas mais abastadas (as ‘elites’), em detrimento das parcelas mais pobres.

E mostrar como tudo mudou a partir de 2003, quando a educação superior voltou a ser valorizada, com investimentos que ampliaram o seu alcance, incluíram setores da sociedade que estavam à margem do ensino superior, tanto pela expansão das universidades e dos institutos federais como pela aplicação de políticas de inclusão, como as cotas raciais e sociais, além do Enem, que inverteram a composição da comunidade estudantil, fazendo com que esse universo passasse a refletir a realidade brasileira com mais coerência.

Também precisamos debater como o golpe de Michel Temer em 2016 abriu espaço para o crescimento do Ensino à Distância (EAD) que, embora amplie o acesso ao ensino superior, ainda engatinha em termos de controle de ingresso e monitoramento da qualidade do nível de ensino.

O fato é que todas as conquistas obtidas pela população a partir de 2003 começaram a sofrer reduções nos governos Temer e Bolsonaro, com os cortes de recursos, de bolsas de pesquisa e de projetos importantes como o Ciência Sem Fronteiras. A ciência voltou a ser sucateada e os órgãos de fomento voltaram a ser balcão de negócios para legitimar cursos de instituições privadas sem qualidade (mas alinhadas aos membros do governo).

Não houve expansão ou qualquer política que pudesse garantir ampliação do acesso ao ensino superior público.

Por todos os motivos, é preciso politizar a universidade pública, ou seja, deixar a pretensa neutralidade e a passividade de lado para que todos que a integram assumam, de fato, um papel social na luta pela democratização da educação e do conhecimento. Sem isso, ela corre o risco de sucumbir.

Não podemos nos calar! Você não pode se calar!

Fonte: APUB

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