Flávio Dino defende: só existe poder democrático e legítimo se ele for limitado

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Após a mesa de abertura do Painel de Debate Sobre o Lawfare, na noite de quarta-feira (11), o governador do Estado do Maranhão, Flávio Dino, realizou a sua fala com o tema “Lawfare político, instrumento de destruição do inimigo por meio de processo aparentemente legal”. Além de governador, Dino foi juiz federal por 12 anos e, antes disso, é professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) desde 1993, tendo também lecionado por anos na Universidade de Brasília (UnB).

“Só existe poder democrático e legítimo se ele for limitado”, disse o governador Flávio Dino em sua fala. O mandatário fez uma fala de cerca de 50 minutos que mesclou, de forma didática, o que é o lawfare e seu papel na política brasileira hoje, com críticas a casos em evidência na mídia.

Ele começou sua palestra saudando os maranhenses e filhos de maranhenses que moram em Goiás: “somos estados com muitos vínculos culturais e históricos”. A maior parte da sua exposição girou ao redor do Estado de Direito, da liberdade e da democracia.

Ele defendeu que o processo penal existe para defender a liberdade e que todas as pessoas são a priori livres e inocentes, são garantias fundamentais. “O processo penal, portanto, não deve ser governado por uma lógica punitivista, ao contrário. É a forma de limitar a punição do Estado para evitar abusos e excessos. A matéria prima do processo penal não é prender, mas garantir a liberdade”, disse.

Dino afirmou que quem exerce este processo deve ser um agente comprometido com isso, inclusive com a imparcialidade e que não deve ter compromisso com nenhuma das partes. “Senão ele se deslegitima como guardião no pacto político como está na Constituição e nas leis. Premissas teóricas que parecem óbvias. Porém, na atual conjuntura, devem ser anunciadas como verdades quase revolucionárias porque estão hoje longe de representar um consenso prático na sociedade”, disse.

O governador lembrou a origem militar do termo lawfare, que remete aos EUA da virada do século XIX que tinha como objetivo usar a legalidade como arma sem a necessidade de utilizar de um conflito aberto e armado para resolver questões. “A lógica que governa a guerra é a de que existem inimigos e aliados”, disse Dino, “e se ela visa destruir o inimigo, o uso do instrumental jurídico para uso da guerra também obedeça essa lógica”.

Como disse a coordenadora da Faculdade de Direito da UFG, Bartira Macedo, Dino destacou que na prática o lawfare existe há séculos, mas que agora foi reciclado e repaginado para o cenário político brasileiro contemporâneo. “Eu destaco duas formas pelas quais se exerce o lawfare. Primeiro, fabricar escândalos de corrupção, de modo que seja possível criar uma rede de antipatia em relação a um determinado adversário político. E a outra forma é a seletividade que faz com que práticas rigorosamente iguais sejam etiquetadas de modo diferente de acordo com o autor”, afirmou.

E exemplifica: “quando havia o financiamento empresarial de campanhas, havia naturalmente uma corrida dos agentes políticos de tempos em tempos às empresas em busca de financiamento. Temos casos no Brasil em que na mesma eleição, agentes políticos obtiveram recursos equivalentes nas mesmas empresas e hoje uma parte desses agentes respondem processos penais em razão do recebimento desse dinheiro e outros, em circunstância rigorosamente igual, não respondem”. E brinca: “é como se essa empresa tivesse um arquivo com duas gavetas. De uma tirou dinheiro sujo e deu para um agente. E para outro abriu outra gaveta e deu o mesmo montante de dinheiro limpinho e cheiroso que não levava a ação penal”.

Vejam como exemplo as palestras remuneradas: “para alguns agentes políticos, era propina, para outros, é serviço social e comunitário”. Dino também enumerou os motivos pelos quais o Brasil se tornou um terreno tão fértil para lawfare. “Em primeiro lugar, a corrupção é um problema real, objetivo e grave no Brasil. Essa corrupção não é apenas dos políticos, porque na apropriação ideológica da corrupção parece que os políticos eram os lobos maus e as empresas eram os chapeuzinhos vermelhos submetidos à tirania desses lobos maus. Uma consequência disso é a visão de que o Estado ou o serviço público é o local da ineficiência e da corrupção e o mercado é o lugar da eficiência e da virtude”.

Crises

Outro motivo é o desgaste político e a crise de representatividade. Ele contou um caso, brincando, sobre como ninguém quer ser político ou vê a política como inerentemente ruim. “Eu lembro bem do sofrimento da minha mãe quando depois de 12 anos de magistratura federal eu disse ‘vou ser candidato a deputado federal’. Ela me olhou com ar de espanto e disse ‘meu filho, você tem essa mania de brincar com coisa séria’ e de vez em quando ela diz ‘você é aquele que estava na calçada na sombra, viu uma confusão do outro lado da rua e atravessou para se meter’”, contou, “a política perdeu o prestígio social. Isso gerou esta abissal crise de representação pela qual há quase o descolamento entre representantes e representados, quase como se os políticos estivessem separados que só se encontra com a sociedade de tempos em tempos, às vezes com muita má vontade”.

Como terceiro motivo, listou a crise econômica e o desemprego que, muitas vezes, fez com que as pessoas associassem com os motivos anteriores. “Por exemplo, a grave crise fiscal no Estado do Rio de Janeiro, se você fizer uma pesquisa na Cinelândia, e perguntar a principal causa, o cidadão responderá: a corrupção que acabou com o Rio de Janeiro”, disse. “Somem estes temperos, coloquem na panela, e você encontra um desejo poderoso pelo surgimento de super-heróis e se eles usarem capa, tanto melhor. Se não tiver a capa do Super-homem, uma toga já está servindo. Portanto o cidadão foi movido a esta crença de que certos colegas meus, por estarem de capa, seriam estes super-heróis que iriam redimir a sociedade de todos os seus males”, explicou.

“Direito penal do inimigo é o maior sucesso de todos os tempos da última semana. No Brasil isto resultou no Direito penal do inimigo em combate ao corrupto tendo a corrupção associada a certo segmento político. Portanto, enfrentando esse segmento político, todos os males existentes sobre a terra seriam sanados”, afirmou.

Entre as práticas do lawfare no Brasil, ele foi duramente crítico primeiramente ao juiz a serviço de causas. “Imaginemos um árbitro de futebol que em uma animada partida lá pelas tantas se descobre que este árbitro aconselha um dos times e combate o outro time. Alguém suportaria ouvir isso? Provavelmente este árbitro seria afastado das suas funções. Perguntemos isto em qualquer logradouro público e questionem se alguém concordaria com isso. O que está acontecendo no Brasil é a naturalização da parcialidade do juiz. A única causa que o magistrado deve ter é seu compromisso com a Constituição e as leis”.

Dino concluiu que o combate à corrupção deve prosseguir, mas que todas as condenações fruto de lawfare devem ser anuladas. “Quem diz isso não é a ideologia, mas a lei. Devem ser anuladas para que haja novo julgamento nos termos da lei. Pois onde há lawfare não há justiça”, disse, “os fins não justificam os meios e como tem sido difícil sustentar isso! Temos operadores de direito que chamam as garantias processuais de filigranas! Está aí, nos jornais! Estes detalhes estão na essência, a proteção das garantias fundamentais, é um fator fundamental para que haja uma sociedade civilizada”.

E finalizou lembrando da passagem da Odisseia em que Ulisses se amarra no mastro para não sucumbir ao canto das sereias. Nesta comparação, ele saliente que o canto da seria é o discurso de ódio, que é muito fácil e sedutor, e o mastro é a democracia e os valores democráticos. “A banalização do mal está na base do discurso do vale tudo. Nós, da universidade, temos uma responsabilidade de nos amarrarmos no mastro, um mastro sólido, devemos sustentá-lo, muitos morreram pela nossa Constituição”, encerrou.

Fonte: Ascom ADUFG-Sindicato