Em 28 de maio de 2015, mais de trezentos professores e professoras da Universidade Federal da Bahia, juntamente com um grande grupo de estudantes e servidores técnico-administrativos, se reuniram em frente ao PAF – I, em Ondina, para compor a plenária da Assembleia Geral que trazia na pauta o indicativo de greve. O grande número de pessoas interessadas superou a capacidade do auditório do PAF e obrigou a realização da Assembleia ao ar livre. No início daquela noite, 212 docentes aprovaram indicativo de greve. 82 votaram contra e 4 se abstiveram. As razões que levaram à deflagração da greve não são simples e, mesmo com a sua aprovação por uma maioria tão expressiva dos professores e professoras presentes naquela noite, não se pode supor que tenha sido uma decisão isenta de ponderações.
Desde o início da Assembleia, o discurso que unificava os docentes era a necessidade de enfrentamento da ameaça de precarização das universidades federais. Naquela mesma semana, dia 25 de maio, a reitoria havia convocado um ato público em defesa da educação pública e da UFBA, que teve participação significativa do corpo docente, discente e dos servidores da instituição, além de representações políticas e socais. Diante de uma universidade com um déficit de R$ 28 milhões acumulado desde o ano passado e com a notícia do contingenciamento de R$ 9,42 bilhões do Ministério da Educação – o terceiro Ministério mais afetado com o corte de verbas promovido pelo governo federal – tornou-se urgente tomar uma posição contrária a um cenário que compromete a qualidade do ensino, pesquisa e extensão das universidades públicas.
Aliado à situação geral das universidades – e específica da UFBA – está o momento delicado que o país atravessa, com um avanço significativo do conservadorismo no Congresso Nacional e na sociedade. A aprovação das Medidas de ajuste fiscal, que dificultam o acesso ao seguro desemprego, abono salarial e pensão por morte; o PL 4330, que flexibiliza a terceirização, abrindo assim uma perigosa brecha nos direitos trabalhistas garantidos pela CLT criaram condições para o florescimento de manifestações e atos, como os convocados pelas centrais sindicais para 15 de abril e 29 de maio, de contestação à forma como o país vem sendo conduzido.
Já em relação à pauta específica da Campanha Salarial, até a data da Assembleia, os docentes ainda não haviam recebido qualquer contraproposta formal do governo sobre as propostas de reestruturação de carreira e reajuste salarial protocoladas no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e no Ministério da Educação. Foram apresentadas duas propostas, uma pelo Proifes-Federação e outra pelo Andes-SN, mas após duas reuniões setoriais, a última realizada no dia 06 de maio, nenhuma das duas entidades havia recebido resposta às reivindicações. No entanto, o Secretário de Relações do Trabalho, Sérgio Mendonça, solicitou na ocasião que as entidades elencassem os pontos prioritários das propostas. Naquela data, a Lei Orçamentária ainda não havia sido promulgada, foi somente no dia 22 de maio que se soube o tamanho do contingenciamento.
Foi justamente ressaltando este contexto que a presidente da Apub, Cláudia Miranda, abriu a Assembleia do dia 28. “As notícias recentes a respeito dos cortes na educação (…) têm impulsionado os docentes a um sentimento de angústia e insatisfação em relação às condições da universidade e ao cenário que nós temos para enfrentar em relação a isso”, disse.
Unidade e cautela. Após a decisão de incluir “indicativo de greve” na pauta – encaminhada pela plenária na Assembleia do dia 12 de maio – membros da diretoria da Apub e demais participantes da Comissão de Mobilização para a Campanha Salarial, fizeram passagens em algumas unidades da UFBA para conversar com os professores e professoras, esclarecendo dúvidas e se informando sobre suas reivindicações. Nas visitas, foi possível perceber a compreensão dos docentes sobre as dificuldades na universidade e a possibilidade de deflagração da greve como forma de enfrentamento, porém muitos se mostraram cautelosos sobre o momento para isto e apontaram também outras formas de luta. Houve aqueles que desejavam realizar debates em suas respectivas unidades e conversar com os colegas para avaliar o seu posicionamento. Apesar disso, e considerando a importância desses debates, a Comissão de mobilização ressaltava sempre a necessidade de comparecer à Assembleia Geral, que era o local legítimo de apuração e deliberação das reivindicações docentes. “A posição da diretoria da Apub tem sido de demonstrar que é importante a unidade da categoria a nível local e também nacional. É importante que a categoria decida com força, de forma coesa, quais são os rumos que nós queremos dar à Campanha Salarial, colocando nesse horizonte a deflagração da greve dos docentes”, afirmou Cláudia Miranda.
De fato, durante a discussão do indicativo de greve houve aqueles que defenderam outras formas de mobilização. O professor Paulo Fábio Dantas, da FFCH, disse que era preciso retirar a greve do horizonte. Para ele, este seria um instrumento ineficaz para enfrentar uma luta continuada que o ajuste fiscal e o contingenciamento exigem. “Não podemos resolver essas questões no tempo racional de uma greve, a não ser que fechemos a universidade até que a crise no país se resolva”, afirmou ele.
Quem apoiava a greve, porém, defendia que, diante do panorama desanimador, parar as atividades letivas e fortalecer a mobilização era o único caminho possível. A professora Lana Bleicher, da Faculdade de Odontologia disse que o momento era de disputa de recursos e que não se deveria aceitar como dada a situação de cortes na educação. “Temos a opção de dizer que nós professores, estudantes, servidores técnicos administrativos exigimos que esse governo dê prioridade à educação pública e não à educação privada”, disse. A professora Sandra Marinho, da Faculdade de Educação lembrou que, embora as reivindicações da categoria sejam importantes, a greve deveria expressar solidariedade com aqueles em situação mais vulneráveis diretamente atingidos com as medidas de ajuste fiscal. “Não podemos retroceder em nenhum direito social”, afirmou. Posição semelhante à do professor Altino Bonfim, da FFCH, que declarou: “não estamos propondo entrar em greve por salario, mas por um direito da sociedade que é a educação”.
Chamada para votação. Diante das posições expostas no debate, o diretor da Apub, Joviniano Neto, encaminhou à mesa que a votação fosse realizada em duas partes: “A diretoria tem uma posição democrática, primeiro decidimos se queremos ou não a greve e depois, se será hoje ou um indicativo sem data como querem alguns”, disse. E completou “esse movimento tem uma característica especial diferente dos quais já participei. Ele tem uma ênfase muito grande em defesa das condições da universidade”. A vice presidente da Apub, Livia Angeli, finalizou o momento de debate dizendo: “tem gente defendendo a greve agora, há quem defenda em momento posterior e também há quem não defenda a greve. Temos que colocar todas essas posições no espaço democrático e é essa Assembleia que vai decidir”.
Após os 212 votos favoráveis à greve, a plenária votou pela sua deflagração imediata ou indicativo sem data. A primeira opção venceu por contraste visual. Já no dia seguinte, mais de quarenta docentes se encontraram na sede da Apub para a primeira reunião do Comando de Greve, que irá coordenar todas as atividades de mobilização. “Deliberar por greve apenas não irá resolver nosso problema”, disse Livia Angeli. “É a nossa participação daqui para a frente que vai demonstrar que a universidade federal da Bahia está disposta a fazer essa luta”.