O Grupo de Trabalho – Educação, do PROIFES-Federação, analisou em dezembro uma série de documentos e o texto da própria Medida Provisória 746, que dispões sobre uma reforma do Ensino Médio, aprovada pela Câmara dos Deputados em votação nesta terça-feira (13).
Entre outros pontos, a medida provisória aumenta a carga horária das atuais 800 horas anuais para 1.000 horas; e divide o currículo entre conteúdo comum e assuntos específicos de uma das áreas que o aluno deverá escolher (linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica).
De acordo com o projeto de lei de conversão do senador Pedro Chaves (PSC-MS), o currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e por itinerários formativos correspondentes a essas áreas do conhecimento: linguagem e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas; e formação técnica e profissional.
Neste sentido, o GT-Educação do PROIFES-Federação analisou cuidadosamente não apenas o relatório do Senador Pedro Chaves como todos os documentos correlatos: documento da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Plano Nacional de Educação (PNE), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), e após deliberação elaborou uma Nota, reproduzida aqui e abaixo:
NOTA DO GT-EDUCAÇÃO DO PROIFES SOBRE MP 746
A propósito de discussão sobre o parecer do relator, senador Pedro Chaves, sobre a MP 746\2016, na forma do PROJETO DE LEI DE CONVERSÃO Nº 34/2016 (texto final) sobre a implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, o GT Educação do PROIFES-Federação, na continuidade das discussões e elaborações ocorridas em sua reunião de 03 e 04 de outubro de 2016, e tendo também analisado a posição da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) sobre o assunto, faz as seguintes considerações:
- O relatório, assim como a MP 746, é compatível com o congelamento de verbas para as áreas sociais, conforme previsto pela PEC 241 / 55, o que se pode observar em diversas passagens, de que é exemplo a redação do Art.16, §2: “A transferência de recursos será realizada anualmente, a partir de valor único por aluno, respeitada a disponibilidade orçamentária para atendimento, a ser definida por ato do Ministro de Estado da Educação.”
- Aprovada a PEC 241 / 55, haverá um declínio desses recursos ao longo dos próximos 20 anos, passando dos atuais 6,4% do Produto Interno Bruto (PIB) para percentuais em torno de 4,5% do PIB, de acordo com as previsões que hoje é possível fazer, em consonância com dados publicados pela assessoria da Câmara dos Deputados. Como se isso não bastasse, as parcas verbas públicas existentes serão – segundo o relatório – progressivamente desviadas para o setor privado. É isso que se pode depreender do Art. 4º, §11, que permite “firmar convênios com instituições de educação à distância com notório conhecimento” (no Brasil, as que se destacam no ramo são privadas), realizando, conforme especificado no inciso VI, cursos “mediados pela tecnologia”. Ainda na mesma direção, como segundo exemplo, mencione-se o Art.12, que regulamenta a transmissão de telecursos, possivelmente também encomendados ao setor privado e pagos com recursos públicos.
- A MP afeta especialmente a Educação de Jovens e Adultos (EJA), uma vez que altera a lei que regula o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), colocando em seu lugar a “formação técnica e profissional”, deixando sem perspectiva de políticas públicas que atendam esta parcela da população, no que concerne à alfabetização e ao ensino propedêutico.
- O documento final aprofunda alguns problemas já apontados nos documentos supracitados (Notas da CNTE e da reunião de 03 e 04 de outubro do PROIFES), com destaque para o parágrafo 3º do Art. 3 da MP, o qual expressa a carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) apenas em termos de limite máximo, sem prescrever qualquer quantidade mínima de carga horária destinada ao cumprimento do currículo comum, o que implica flexibilização ilimitada e sem parâmetro para os sistemas de ensino.
- Sobre as disciplinas Filosofia e Sociologia, apresentamos os seguintes destaques:
- Nos argumentos que justificam a rejeição da manutenção da Sociologia e da Filosofia, está dito que a BNCC é a esfera adequada para a inserção de componentes curriculares ou temas transversais. No caso das duas áreas, não se trata de inclusão de componentes novos ou sua redução para temas transversais. Desde a Lei nº 11.684/2008 ambas são áreas obrigatórias no percurso dos três anos do ensino médio. O que a MP 746 propõe, e o parecer da Comissão Mista ratifica, é a retirada de algo legalmente instituído, revogando, portanto, a Lei nº 11.684/2008.
- Os motivos explicitados para a retomada da obrigatoriedade das Artes e da Educação Física, isto é, “sua relevância na formação integral das potencialidades do ser humano em todas as suas dimensões”, podem, igualmente, ser aplicados à Sociologia e à Filosofia.
- Também a análise diz que não vislumbra a necessidade de inscrever em lei a obrigatoriedade de uma disciplina em detrimento de outras. Sendo assim, a MP não poderia tomar para si o poder de legislar sobre a obrigatoriedade da Matemática, Língua Portuguesa e Língua Inglesa.
- O documento define que é no âmbito do Conselho Nacional de Educação (CNE) que o currículo deve ser construído, a fim de responder às demandas de formação humana do século XXI. Pois bem, Sociologia e Filosofia dão conta de uma formação para a cidadania e para o mundo do trabalho, como aponta a análise da Comissão. Como atender às necessidades formativas da contemporaneidade, especialmente em relação às temáticas mundo do trabalho e cidadania, sem contar com a presença da Sociologia e da Filosofia para todos os estudantes?
- O 5º parágrafo do artigo 35 (página 20) diz: “Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais”. Retirar a Sociologia e a Filosofia comprometerá tais objetivos formativos apontados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e ratificados pela análise da Comissão.
- Compreendemos que a manutenção da Sociologia e da Filosofia não prejudica a flexibilidade e a articulação interdisciplinar, uma das justificativas para retirá-las do currículo. Pelo contrário, são justamente esses componentes do conhecimento humano que auxiliam todas as outras áreas a compor uma perspectiva ampla e relacional sobre a gênese do conhecimento e seu sentido histórico-social, do ponto de vista cultural, ético e político. Além disso, sendo obrigatórios a matemática e a língua portuguesa e sabendo que esse saberes encontram seu sentido epistêmico e prático nas outras disciplinas, uma vez que o valor do conhecimento matemático e linguístico não se encerra em si mesmo, para obter o melhor aproveitamento das competências resultantes de seu estudo, a Filosofia e a Sociologia podem, de modo especial, fornecer elementos capazes de relacioná-los às ciências naturais, às humanas e, principalmente, às possibilidades de ação prática, autônoma, criativa e efetiva sobre o mundo, isto é, o próprio trabalho. Portanto, se a orientação é para um currículo enxuto e dinâmico, a simples retirada de Sociologia e Filosofia não implica, necessariamente, em currículo dinâmico e flexível, pelo contrário, apontamos para a perda de excelentes oportunidades de enriquecimento do currículo.
- Remeter a discussão sobre Sociologia e Filosofia para a BNCC e para o CNE é um retrocesso, é retomar um debate já superado historicamente, desde tempos em que as áreas humanas foram banidas da formação da juventude brasileira. Esse debate, social, político e acadêmico, aconteceu no período de redemocratização do país e culminou com a retomada da obrigatoriedade das duas disciplinas, em lei, no ano de 2008.
- Por fim, denunciamos que, segundo o texto da MP, Filosofia e Sociologia não terão oportunidade de retorno ao currículo, já que não há definição do que será “comum” na formação oferecida pelo ensino médio, o que esvazia o sentido da expressão e propósito à própria Base Nacional Comum Curricular.
- Apesar do parecer ser positivo no que tange ao retorno da obrigatoriedade da Arte e da Educação Física como componentes obrigatórios da Educação Básica, deixa os temas transversais, a serem definidos pela BNCC, sem a obrigatoriedade de serem incluídos nos currículos, ficando a critério dos sistemas de ensino. Considerando que a BNCC não é contemplada com um mínimo de abordagem obrigatória e, não sendo mais referência exclusiva nos exames de avaliação, segundo o parecer, isso abre um precedente que desvaloriza a própria BNCC.
- No que concerne às políticas de formação de professores, observamos que não há previsão para financiar cursos de formação para o exercício do magistério, tendo em vista a inclusão dos profissionais de notório saber, com graduação. Na própria análise, a comissão indica cursos de complementação pedagógica em faculdades isoladas, credenciadas pelo Ministério da Educação (MEC), apontando para o ensino privado. Mas não é só neste ponto, em outros três momentos a privatização é apontada: nos convênios a serem realizados com o setor de rádio difusão; na segunda opção formativa na trilha técnica e profissional de Ensino Médio, que não será financiada pelo MEC; e na formalização de termos de compromisso que visa à não eliminação da política de percursos formativos, “quando secarem as fontes federais de recursos”, o que indica que os gestores deverão buscar outros recursos, mesmo que parciais, para cumprir o referido termo, o que abre a possibilidade de privatização, mesmo que parcial.
Brasília – DF, dezembro de 2016