A realidade dos jovens pesquisadores sempre foi dura, mas entre 2003 e 2016 houve um grande avanço no campo científico nacional, com ampliação do acesso às universidades federais, tanto na graduação como na pós-graduação, aumento da quantidade de bolsas de estudo, reajustes de valores que estavam congelados, novos programas e reforço da Capes e do CNPq, que são os dois principais organismos de fomento à produção científica no Brasil.
Só que esse projeto foi interrompido pelo golpe que levou Michel Temer ao poder, em 2016.
Bolsas congeladas
Os valores de bolsas para pesquisadores estão congelados desde 2013. Havia previsão para reajuste em 2016, mas o golpe impediu qualquer avanço.
A situação piorou desde então e os cortes aplicados pelo governo Bolsonaro nessa área, a partir de 2019, dificultam ainda mais a manutenção daqueles que desejam se dedicar à pesquisa científica.
Em vez de estimular o ingresso e o desenvolvimento da carreira, como fazem países considerados mais desenvolvidos, o atual governo brasileiro desestimula os jovens cientistas. Muitos acabam desistindo e mudam de área.
Uma bolsa de doutorado nos Estados Unidos, por exemplo, pode variar entre 10 e 20 mil reais por mês (em valores convertidos a partido do dólar), além de benefícios como plano de saúde, odontológico, dentre outros. Na emergente China, um estudante de doutorado pode receber até 7 mil reais por mês, além de outros benefícios. Já no Brasil, os alunos que conseguirem bolsa (já que o governo federal tem restringido cada vez mais o acesso) recebem no mestrado cerca de R$ 1.500, e no doutorado R$ 2.200.
São valores que não garantem condições mínimas de vida para que os jovens possam se dedicar aos estudos. Além disso, ainda precisam arcar com a compra de livros, insumos e materiais.
Levando-se em conta todos os gastos do Governo Federal nesse campo estratégico, envolvendo os diversos ministérios com alguma atuação no setor, o retrato é um desastre: de 2013 para 2020, o investimento encolheu 37%, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão vinculado ao Ministério da Economia.
Em valores corrigidos pela inflação, a área da ciência e tecnologia no Brasil recebeu menos recursos em 2020 do que em 2009. Os orçamentos do Ministério da Educação (MEC) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) deste ano são ainda menores do que os do ano passado.
No CNPq, o número de bolsas pagas, que chegou a ultrapassar 100 mil no auge do programa Ciência sem Fronteiras, entre 2014 e 2015, retornou ao seu patamar anterior, de 80 mil, e ali permanece imóvel desde 2017, sob ameaça permanente de novos cortes. São anos de retrocesso.
Por causa dos investimentos feitos pelos governos brasileiros, especialmente a partir de 2003, o número de alunos matriculados na pós-graduação nunca parou de crescer. A quantidade de doutorandos mais do que triplicou nas últimas duas décadas, de 33 mil para 120 mil, segundo dados do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap).
Mas esse crescimento não veio acompanhado do aumento proporcional da quantidade de bolsas: a parcela de alunos de doutorado contemplados com bolsas da Capes caiu de 42%, em 2015, para 36%, em 2020. No pós-doutorado, a mesma situação: o número proporcional de bolsas fornecidas pela Capes e pelo CNPq em 2020 foi 35% menor do que em 2015.
Por causa das escolhas do governo de Jair Bolsonaro, que nega o papel essencial da ciência, dedicar-se à pesquisa no Brasil traz aos jovens um sentimento de desesperança e desamparo. Muitos estão indo embora do país em busca de poder viver de pesquisa.
Não é luxo “viver de pesquisa”. É vontade de servir à população com investigações, em busca de soluções e caminhos que são revelados através da produção científica.
Mas um Governo Federal que tem Bolsonaro à frente é a representação do descrédito da ciência. Um presidente que discursou fazendo piadas com o resultado de pesquisas que originaram as vacinas contra a Covid-19 não está preocupado com o desenvolvimento científico do país.
Apesar dessa dura realidade, os pesquisadores resistem, para que as novas gerações possam voltar a sonhar em ser cientistas.
Fonte: APUB