Letalidade policial afeta mais os negros

Com a vitória de Lula nas eleições presidenciais do último dia 30 de outubro, os integrantes do governo de transição, e de toda a sociedade, se voltam para diversas pautas necessárias para a urgente reconstrução dos pilares da Democracia e do combate às desigualdades no Brasil.

Entre os principais desafios que o novo governo e o Brasil terão que enfrentar nos próximos quatro anos está o racismo estrutural, exemplificado na forma como os negros periféricos são mais atingidos pela letalidade policial e pela violência de Estado no país.

É o que demonstram diversos estudos, como a pesquisa Desafios da Responsabilidade Estatal pela Letalidade de Jovens Negros: Contextos Sociais e Narrativas Legais no Brasil (1992-2020) e dados da Rede de Observatórios em Segurança Pública, recentemente publicados.

65% das vítimas de ações policiais são negros

A Rede de Observatórios em Segurança Pública aponta que, em 2021, ao menos cinco pessoas foram mortas pela polícia por dia no Brasil.

Analisando apenas os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Piauí, a rede identificou 3.290 mortes em operações policiais em 2021, com 2.154 vítimas negras, o que corresponde a 65% do total.

Segundo dados do IBGE, em 2020 54% dos brasileiros se declaravam pretos ou pardos, ou seja, componentes da população negra. Os dados dos estudos mostram uma evidente discrepância, com a morte de pessoas negras acima da média.

O estudo da Rede traz ainda outros dados impressionantes e alarmantes: de todos as mortes na cidade de Salvador, capital do estado da Bahia, apenas uma pessoa não era negra. Já entre as vítimas da polícia no Recife, todas – isso mesmo, todas – eram negras. De acordo com o IBGE, a proporção de negros no estado de Pernambuco é de 61,9%.

Em São Paulo, uma pessoa negra é morta pela polícia a cada dois dias. Já no Rio de Janeiro, a situação é ainda pior, com uma morte a cada 9 horas.

Impunidade indica conivência do Judiciário

Se os dados da Rede de Observatórios da Segurança Pública apresentam uma visão mais quantitativa do problema, o estudo Desafios da Responsabilidade Estatal pela Letalidade de Jovens Negros, anteriormente citado, foi realizado pelo Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV-SP e apresenta uma abordagem qualitativa, focando-se em casos mais célebres, nos quais o racismo institucional ficou bastante evidenciado.

Os pesquisadores responsáveis pelo trabalho analisaram oito casos de grande repercussão no qual agentes estatais assassinaram cidadãos indefesos e majoritariamente negros: o massacre do Carandiru (1992); a execução de Mário Josino na Favela Naval (1997), em Diadema (SP); a chacina do Borel, no Rio de Janeiro (2003); o desaparecimento do corpo de Amarildo Dias de Souza, na favela da Rocinha (2013); a chacina do Cabula (2015), em Salvador (BA); a morte de Luana Barbosa dos Reis (2016), em Ribeirão Preto (SP); o massacre de Paraisópolis (2019) e o assassinato de João Alberto Silveira Freitas pela segurança privada do Carrefour (2020).

O total de oito casos envolve 140 mortes e pouquíssimas investigações e condenações posteriores, evidenciando não só os procedimentos completamente destoantes de qualquer sentido de direitos humanos por partes das polícias brasileiras, mas também a conivência do Poder Judiciário, que é leniente (ou negligente) na hora de aplicar punições severas para os responsáveis, muito menos reparação para vítimas ou familiares.

Apesar das particularidades de cada evento estudado, esses casos exemplificam o arbítrio e a violência a que estão submetidas as populações pobres e, principalmente, negras no Brasil.

Esse é um problema que tem raízes históricas explicadas por nosso passado colonial e escravocrata e que foi agravado nos últimos quatro anos, nos quais a gestão de Jair Bolsonaro implementou diversos retrocessos relativos à segurança pública, controle do excesso de violência das forças policiais e combate às desigualdades no Brasil.

É responsabilidade não só do governo, mas também de todos nós, trabalhar para reverter esse quadro o quanto antes: não podemos silenciar diante de tantas vidas perdidas.

Fonte: APUB

Facebook
Twitter
Email
WhatsApp