“O conflito sindical na UFBA”

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Confira o artigo de Raquel Nery


Publicado no jornal A Tarde do dia 03 de julho de 2024


No dia seguinte ao encerramento da greve docente na Universidade Federal da Bahia, dois jornais baianos trouxeram em suas páginas editais para um mesmo evento: assembleia resultante de autoconvocação tendo como pauta “Desfiliação da APUB do PROIFES Federação”. Um deles, publicado pela diretoria, convoca para 16 de agosto; no outro, uma “comissão organizadora” convoca para 03 de julho, usando na divulgação a silhueta do Caboclo.

A proximidade com o 2 de Julho e a mobilização de seus símbolos escamoteia o que está em jogo: aproveitar a fervura residual da greve e tentar revogar a decisão coletiva (plebiscito com 1.020 votantes, após amplo debate) que em 2009 tornou a APUB, então seção sindical da Andes, um sindicato de base estadual, com autonomia financeira, administrativa e independência política, decisão que também vinculou a entidade ao PROIFES. Trata-se de uma disputa: o movimento “Não em nosso nome” declara explicitamente a intenção de desfiliar do PROIFES cinco dos seus onze sindicatos. É o Andes, não os docentes da UFBA, o principal interessado nessa ofensiva sincronizada, mesmo que sua agência esteja cuidadosamente protegida por “oposições sindicais e coletivos de docentes”.

O Andes opera uma concepção sindical de gestão centralizada, com eleições majoritárias, que não refletem a pluralidade do movimento docente brasileiro. No início dos anos 2.000, suas posições esquerdistas o levaram a, por exemplo, ser contrário às cotas e à expansão das universidades e institutos federais. Nesse contexto nasceu o PROIFES, como alternativa ao modelo rígido e radicalizado que o então sindicato nacional tinha se tornado. Sua história é marcada por uma conduta consequente com o interesse da categoria docente, expresso nas negociações e acordos de 2012 e 2015 (dos quais o Andes se omitiu), em que concebeu e implementou as carreiras do Magistério Superior e do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), resultando na Lei 12.772/2012; também concebeu e viabilizou junto ao governo a classe de associado; conquistou o direito de, reunidas as condições, qualquer docente chegar à classe de titular. Em 2024, a partir das condições fornecidas pelo seu estatuto, assinou o acordo que, um mês depois, o Andes também subscreveu.

Desde o início das negociações com o MGI, em outubro de 2023, e depois, na mesa setorial com o MEC, o Andes formalizou requerimento, moveu ação judicial e encaminhou manobras para excluir o PROIFES das mesas de negociação. Ao litigar na justiça pela exclusividade da representação docente, apelando ao princípio da unicidade sindical, o Andes não apenas desconsidera o princípio constitucional do pluralismo político e da livre associação, como tem em vista os efeitos financeiros de uma eventual dilatação de sua hegemonia. A ofensiva ocorre no momento em que um grupo de trabalho, envolvendo centrais sindicais, representantes de organizações patronais e do governo, elabora proposta de contribuição financeira para as entidades sindicais resultante de negociações de acordos e convenções coletivas. A medida, cuja constitucionalidade foi confirmada pelo STF em setembro de 2023, ameniza os efeitos da extinção do imposto sindical. Não é apenas simbólica a “libertação” da APUB: inviabilizar o PROIFES amplia as possibilidades de ganho financeiro do pretenso sindicato nacional, que já cobra de suas seções sindicais 20% da arrecadação, mais que o dobro dos 9% praticados pelo PROIFES. Também não é gratuito que seu apetite recaia sobre os sindicatos federados mais robustos, cujas bases vão de 1.600 a 3.000 filiados.

Numa conjuntura de rarefação e precarização do trabalho formal, fragilização das condições de aposentadoria e progressiva organização da extrema direita, cada vez mais capilarizada e em ostensiva oposição às instituições democráticas, o movimento docente age com mais inteligência se, em lugar de disputas fratricidas e investidas predatórias, optar pela solidariedade, a luta conjunta, o pluralismo político e a renovação de suas práticas sindicais.

Raquel Nery