Uma facção radical de jovens, financiada por super ricaços norte-americanos, que ficou famosa por pregar pautas moralistas para derrubar um governo legítimo, mas se inseriu na política tradicional da forma mais pérfida possível; um vereador, “defensor da família”, acusado de matar o enteado; uma deputada religiosa acusada de matar o marido; um deputado que é contra as cotas nas universidades e contra os direitos dos pobres, mas defende a existência de um partido neonazista; um político moralista que foi flagrado fazendo turismo sexual em uma zona de guerra; um ex-policial que foi eleito com discursos moralistas mas é acusado de estupro, abusos de menores e criar fatos inverídicos em vídeos; uma infinidade de políticos eleitos pregando pautas moralistas mas que atuam contra os direitos básicos da população; um presidente eleito com discurso anticorrupção mas que tinha longo histórico de atividades suspeitas e ligação com milícias, e tem seu governo marcado pela… corrupção.
Qual elemento comum entre todas essas pessoas, que apodreceram ainda mais a vida pública e a política brasileira nos últimos anos?
São extremistas e hipócritas. Via de regra, as duas coisas sempre andam juntas.
O que é um hipócrita?
Segundo o Dicionário Michaelis, hipocrisia é “ato ou efeito de fingir, de dissimular sua verdadeira personalidade, intenções ou sentimentos, em geral motivado pela busca de alcançar a realização de vantagens pessoais ou por medo de assumir a sua real identidade, expressando seus mais autênticos sentimentos”.
Por mais incrível que pareça, essa definição se aplica a todas essas pessoas que se tornaram populares usando um discurso estridente, altamente moralistas, com defesa de valores “tradicionais”, mas que, na prática, atuam contra os direitos da população, muitas vezes, estimulando o ódio e a violência, se inserindo na política de mais baixo nível.
A diferença é que fazem tudo sob um manto de “santidade”.
Além disso, a imensa maioria dos extremistas não acredita nas baboseiras e nas mentiras que eles mesmos pregam. É apenas parte de sua “arte” de enganar para conseguir fama, dinheiro, poder e votos (no caso de políticos).
O problema é que milhões de pessoas acreditam neles, e isso cria uma espécie de doença social, uma anomia, um desvio coletivo que degenera parte do tecido social responsável por garantir o equilíbrio nas sociedades modernas.
Quer exemplo de um perigo bastante real? Extremistas defendem a liberação geral de armas, inclusive automáticas e de grosso calibre, dizendo (sem provas) que essa é a única forma de reduzir a violência. É mentira, eles sabem que não é a solução, mas muitos deles só fazem propaganda porque são financiados por indústrias armamentistas. O problema é que seguidores armados sentem-se estimulados para cometer violência contra quem pensa politicamente diferente, ou mesmo contra vizinhos, parentes ou desconhecidos por pequenas desavenças.
Meio de vida
Ser extremista virou o meio de vida para muitas pessoas, especialmente a partir do movimento que gerou o golpe de 2016, quando muitos deles se destacaram por discursos inflamados nas redes sociais, que lhes garantiram dinheiro, popularidade em círculos de ódio, e votos, muitos votos.
Por isso, muitos deles optaram pela política. Nunca foi tão fácil ser eleito. Bastava uma boa retórica, muito ódio na boca, uma dose extra de hipocrisia, e a receita era certa. Nas eleições de 2018, uma quantidade enorme de extremistas foram eleitos usando basicamente essas mesmas táticas. Não foi preciso ter base social ou histórico de ações em benefício da comunidade. Bastava espalhar fake news, usar algumas frases de efeito, repetir jargões, e ver a quantidade de seguidores se multiplicar.
Curiosamente, muitos aqueles que faziam discursos de anti-política, depois de eleito, passaram a fazer parte do mesmo sistema que criticavam.
Eles falam em defesa da “família”, polemizam sobre o que as pessoas devem fazer com a própria vida (e coisas que não são da conta de ninguém), adotam discursos messiânicos, tudo para desviar o foco dos verdadeiros problemas do país.
Na prática, são agentes que atuam para deixar tudo como está: desigualdade, pobreza, miséria, fome e abismos sociais.
Em troca de gordas emendas parlamentares, orçamentos secretos e outras manobras, votam contra os direitos dos pobres, ajudam a sucatear serviços públicos e, muitas vezes, servem como office boys/girls dos interesses de grupos econômicos que lhes garantem apoio, recursos em campanhas, propinas ou outras formas de corrupção (o que é curioso, já que o discurso anticorrupção é sempre um dos mais frequentes).
As máscaras caem
Os casos citados no começo desse texto são apenas alguns exemplos de extremistas que foram sendo desmascarados ao longo dos últimos anos no Brasil.
Há uma infinidade de outros casos. Como identificar?
Basta ver se a prática condiz com o discurso. Na maioria das vezes, isso é revelador.
Vejamos o caso dessa nova modalidade de hipocrisia: a defesa da “liberdade” irrestrita que extremistas fazem (inclusive o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro).
Quando um extremista fala em liberdade, ele está apenas defendendo seu direito de poder falar aquilo que bem entende sem ser punido. São os agentes da incivilidade, que agem para fragilizar os avanços civilizatórios.
Os racistas querem ter o direito de ser racista em público, nas redes sociais, nos palanques, nas tevês. Os misóginos, que muitas vezes cresceram com alguma dificuldade em construir relacionamentos com pessoas do sexo oposto (os casos mais drásticos são chamados de “incels”), querem ter o direito de maltratar mulheres. Os neonazistas, querem ter o direito de… bem… todos sabemos o que eles querem.
Há o caso daqueles que pagam para ter relações com pessoas do mesmo sexo mas, nas redes sociais, vociferam valores “tradicionais” e apoiam os extremistas falso-moralistas.
Da mesma forma, muitos extremistas, que brandam a defesa da “família”, espancam suas esposas e filhos, têm relações fora do matrimônio e/ou cometem delitos em seus locais de trabalho ou em situações do cotidiano.
Muitos dos que atacaram as universidades públicas, espalhando fake news, falando sobre supostas balbúrdias, “imoralidades” e outras mentiras, são consumidores de certos conteúdos na internet que não têm nada a ver com os tais valores “tradicionais” pregados por eles mesmos.
E a corrupção? Aí a coisa fica mais interessante. O governo Bolsonaro é o mais corrupto da história. Seja pelos esquemas no MEC (que incluem pedidos de propina em barras de ouro, tentativa de compra de ônibus superfaturados e outros), pelo orçamento secreto (com dezenas de bilhões para comprar apoio no Congresso) ou pagamentos superfaturados, a corrupção é inegável. Mas os extremistas esforçam-se para esconder, desviar o foco e encontrar justificativas para o injustificável.
Escorregadas reveladoras
Todo extremista que é hipócrita tem dificuldades em manter o “personagem” por muito tempo. É o caso do deputado que é contra as cotas e defende a existência de um partido nazista. Tem coisa mais reveladora do que isso?
Ou do colega dele, também notório moralista que ficou conhecido por gravar vídeos confrontando pessoas “de esquerda” e entrou na política assim, mas que mandou áudios para amigos, enquanto estava em um país em guerra, se gabando de como era fácil se aproveitar das mulheres em situação de fragilidade.
O outro, do mesmo agrupamento (coincidência?), que ficou famoso gravando vídeos achincalhando universidades públicas, se aproveitando de seu cargo como policial militar para ofender estudantes e pregar valores “morais”, chegou a entrar na política, mas foi denunciado por estupro, abusos de menores, e por falsificar situações em vídeos para criar uma imagem heroica (que não existia).
Fora o caso de políticos eleitos com discursos religiosos, mas que são pegos em esquemas de corrupção, adultério, assédio ou violência sexual.
Não é coincidência que os extremistas também são os campeões em divulgação de fake news, intolerância, e discursos de ódio. Desconhecem o que é ética.
São aqueles que o dicionário Michaelis identifica com muita precisão: “fingir, de dissimular sua verdadeira personalidade, intenções ou sentimentos, em geral motivado pela busca de alcançar a realização de vantagens pessoais”.
Fonte: APUB