Racismo e transfobia como estratégias da extrema-direita?

“Cadê os defensores da causa animal, que não defendem os macacos?”. Esse foi apenas um dos vários absurdos proferidos pelo senador Magno Malta (ES), durante pronunciamento no Senado em 23 de maio, ao se referir à luta do jogador Vini Jr contra o racismo.
O parlamentar é um dos principais apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e está há muito tempo na vida política. Mas o que o motivou a fazer comentários racistas justamente sobre uma luta contra o racismo? Como ele se sente tão à vontade para cometer crimes dessa natureza, sabendo que poderia ser enquadrado nas leis de racismo e de injúria racial, com risco de perder o cargo (que é o que aconteceria na maioria das democracias do mundo)?
Para que arriscar o próprio mandato em falas grotescas?
Da mesma forma, o que motivou Nikolas Ferreira (PL-MG), um político jovem, em primeiro mandato como deputado federal, a colocar uma peruca para fazer provocações à população trans em pronunciamento da Câmara dos Deputados no Dia Internacional da Mulher?

Parece, mas não é

Tanto o senador Magno Malta como o deputado federal Nikolas Ferreira são políticos extremistas que, apesar de se dizerem religiosos, são notórios espalhadores de fake news e disseminadores de conteúdos de ódio e violência.
Com frequência, eles criam polêmicas para satisfazer a sanha violenta de seus seguidores e eleitores, afinal, sem espalhar mentiras, paranoias, hipocrisias e ideias distorcidas da realidade, eles não teriam conseguido sobreviver politicamente. Mas por que ambos resolveram cometer crimes e correr o risco de enfrentar pedido de cassação de seus mandatos?
Ignorância, estupidez, radicalismo, ideologia, fanatismo religioso? Pode ser, mas talvez haja algo mais. Suas falas, geralmente, são estrategicamente pensadas para direcionar mensagens às suas audiências, sempre ávidas a discursos radicais. Quando fazem isso, estão alimentando a “guerra cultural”, na qual o campo político deles, ligado ao neofascismo brasileiro, só consegue sobreviver em meio à brutalidade ideológica.
Mas fica evidente que, muitas vezes, eles mesmos não acreditam nas próprias mentiras. Com frequência, eles “entram em campo” quando precisam desviar o foco da população de assuntos sensíveis para o bolsonarismo.

Peruca em vez de jóias

Quando Nikolas Ferreira subiu à tribuna da Câmara dos Deputados durante sessão especial em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres, colocou uma peruca loira e debochou das mulheres trans, a quem se referiu como “homens que se sentem mulheres”, o Brasil vivia um momento de ebulição diante da descoberta de que o ex-presidente Jair Bolsonaro havia tentado ficar com joias dadas pelo governo da Arábia Saudita, avaliadas em R$ 16 milhões, e que foram retidas pela Receita Federal.
Um escândalo de proporções inéditas com potencial destruidor para sua imagem. Era preciso agir rápido para esconder o assunto. Foi então que Nikolas, provavelmente sabendo que cometeria o crime de transfobia, mas arriscou-se mesmo assim. Conseguiu desviar a atenção da população que, durante um tempo, passou a comentar muito mais sobre esse episódio do que sobre as joias de Bolsonaro.
As tentativas de contrabando só voltaram ao foco com a notícia de que Bolsonaro havia se apropriado de outros lotes de jóias e, portanto, estava mentindo quando disse que não tinha ficado com nenhuma.

Defender os macacos?

Já o senador Magno Malta (PL-ES) seguiu por um caminho pior ainda ao sugerir que seria mais importante defender os macacos da comparação com o jogador Vini Jr, que é negro e já sofreu mais de uma dezena de episódios de racismo somente nos primeiros cinco meses deste ano na Espanha.
Ele chamou de vitimização a revolta do jogador contra torcedores do time adversário (Valência) e questionou as entidades defensoras dos animais que não se posicionaram a favor dos macacos.
Absurda, grotesca, nojenta e indigna de alguém que exerce cargo público e influencia a opinião de milhões de pessoas.
Mas, coincidentemente (ou não), suas falas ocorreram em um momento de extrema fragilidade de Jair Bolsonaro, acuado com inúmeros processos em andamento, seja pelo escândalo das joias contrabandeadas, do pagamento de contas da primeira-dama (em dinheiro) por outras pessoas, pelas investigações sobre o estímulo à tentativa de golpe em 8 de janeiro, pelas tentativas de deslegitimação das eleições do ano passado ou em várias outras investigações que, a cada dia, colhem mais provas de seus crimes.
A liga espanhola de futebol, coincidentemente comandada por um sujeito apoiador de grupos neonazistas na Espanha, demorou para agir sobre o caso. Mas, depois que o governo Lula cobrou do governo da Espanha um posicionamento (colaborando para que outros países, inclusive os Estados Unidos, se pronunciassem e condenassem os ataques racistas ao jogador brasileiro), providências foram tomadas: o cartão vermelho dado a Vini Jr foi revogado, os árbitros da partida foram suspensos ou demitidos e o estádio do Valencia foi parcialmente fechado por 5 jogos. O governo espanhol também agiu e mandou prender vários torcedores que iniciaram os xingamentos.

Crimes devem ser punidos

Independentemente de se tratar ou não de estratégias para tirar o foco da população e minimizar as investigações sobre os crimes de Bolsonaro, os dois casos (assim como tantos outros comuns no meio bolsonarista) evidenciam a opção pela brutalidade e estupidez para ocupar o espaço que deveria ser da política saudável.
Mas é assim que funciona o combustível do extremismo no Brasil para manter em suas bases o apoio a ideias desumanizadas, anti civilizatórias e brutalizadas. Para eles, é como “unir o útil ao agradável”.
Em qualquer democracia saudável do planeta, políticos que cometeram crimes de ódio como esses teriam perdido seus mandatos com muita rapidez. Mas eles são os mesmos que destruíram a política nacional e jogaram por terra a capacidade ética que o Congresso Nacional poderia se instrumentalizar para tomar decisões sobre isso.
Assim, “livres” para cometer crimes, incentivar ódio, preconceito, racismo e violência, esse novo fascismo segue se sustentando às custas da leniência de quem deveria zelar pelo equilíbrio e pela pacificação da sociedade.

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