Relação entre Mídia e Democracia é tema de debate na Apub

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Atividade fez parte da programação da Semana de Boas-Vindas organizada pelo sindicato

Após uma campanha presidencial marcada por Fake News e protagonismo das redes sociais como ambiente de comunicação política e, recentemente, com a relevância dos vazamentos da #VazaJato, o debate sobre mídia e Democracia é cada vez mais urgente no contexto brasileiro. Diante disso, a Apub incluiu na programação de sua Semana de Boas-Vindas, que acontece entre os dias 05 e 09 de agosto, a atividade “Mídia, redes sociais e opinião pública”, trazendo como convidados os professores Emiliano José, aposentado da Faculdade de Comunicação da UFBA e pesquisador da história da mídia brasileira e Zeca Peixoto, da UNIME, especializado em cibercultura e jornalismo de dados. O evento ocorreu na noite de terça-feira, 06 de agosto na sede do sindicato.

A presidenta da Apub, professora Raquel Nery coordenou a mesa e abriu a atividade lembrando que o semestre da UFBA não se inicia na normalidade e é necessário, mais do que nunca, continuar a luta cotidiana em defesa da Democracia. Nesse mesmo sentido, veio a exposição do professor Emiliano José, que relembrou o contexto da Ditadura Militar, traçando alguns paralelos com o cenário atual. Ao tocar no assunto específico do papel da mídia, apontou as relações dos grandes veículos tradicionais com setores de elite e autoritários em nome de projetos neoliberais para o país. Afirmou também que a direita soube se apropriar melhor do novo paradigma trazido pela difusão da internet e das redes sociais, aproveitando também a crise dos veículos tradicionais. “Eles têm força e insistência militante, além de dinheiro. Sabemos que as Fake News na campanha passada não surgiram só da atividade militante dos bolsonaristas, mas eles têm militância nas redes”, disse.

Em relação ao caso The Intercept Brasil, que revelou as mensagens trocadas por procuradores da Lava Jato e ex-juiz Sérgio Moro através do aplicativo Telegram, Emiliano José destacou que o jornalismo de qualidade praticado pelo site e o inegável interesse público das mensagens levaram grandes veículos – e até notórios antipetistas como o jornalista Reinaldo Azevedo – a se aliarem ao Intercept, até como estratégia de sobrevivência. Atualmente, a Folha de São Paulo, Band (através de Reinaldo), Veja e El País também reportam o conteúdo das mensagens. “É jornalismo que o Glenn [Greenwald, fundador do The Intercept] está fazendo. E o fantasma do jornalismo assustou a mídia brasileira tradicional”, disse.

Com maior foco nos mecanismos de funcionamento e estratégias e convocação de emoções das redes sociais, a intervenção do professor Zeca Peixoto pontuou como a mudança da economia política da mídia, ocorrida a partir dos anos de 1990, com passagem do modelo unidirecional (de um para todos) para o multidirecional (todos para todos) provocou uma crise no jornalismo, que se viu obrigado a se reconstruir e reelaborar narrativas.  Embora essa mudança de modelo tenha gerado situações de empoderamento através da internet, jornalismo colaborativo e emergência de uma cultura hacker ativista, houve também uma reação conservadora violenta, calcada em um vasto conhecimento tecnológico; em várias partes do mundo e também no Brasil, houve uma retomada da narrativa chamada por alguns autores de pós-neofascismo, ultraneoliberalismo e Estado pós-democrático. Trata-se de uma agenda política ultraneoliberal ancorada na narrativa dos costumes.

O professor apresentou alguns dados importantes para compreender o alcance das redes sociais no Brasil. Segundo a pesquisa brasileira de mídia de 2017, geralmente, o brasileiro passa 9 horas e 14 minutos na internet. “Somos o 3º povo do mundo que mais tempo passa nas redes”, disse. O Instagram cresce a uma taxa de 1 milhão de novos usuários por mês e o WhatsApp é utilizado por 76% dos usuários de telefonia móvel do Brasil.  Através da análise de dados de comportamento desse imenso público, é possível detectar emoções e sentimentos que não são captados por pesquisas tradicionais e assim criar uma narrativa do que as pessoas querem ouvir. Essa seria uma das razões da ampla disseminação de Fake News, que coloca os setores progressistas numa espécie de guerra semiótica com a extrema-direita. Ele ressaltou ainda que a esquerda, muitas vezes, cai na “armadilha” ao responder ou criticar notícias e declarações reais ou falsas, ampliando assim a sua disseminação. Ao apontar soluções, Zeca Peixoto destacou que é necessário estudar a fundo os mecanismos dos algoritmos, compreender noções de programação, pois somente uma contranarrativa não seria suficiente.  “As Fake News ainda vão demorar muito tempo para serem neutralizadas; precisamos estudar a questão da economia da atenção e, a partir disso, construir estratégias para fazer esse enfrentamento”.

Ao final das apresentações o público participou com perguntas. A professora Raquel Nery convidou os/as presentes a estarem também no lançamento do novo livro de Emiliano José, o segundo volume da biografia de Waldir Pires, no dia 15 de agosto, às 17h, no Palácio Rio Branco.

A Semana de Boas-Vindas da Apub continua hoje (07) com a realização de uma Assembleia Geral, 15h30, no auditório do PAF I.