Será preciso resgatar a liberdade acadêmica no pós-Bolsonaro

A maior marca do governo Bolsonaro para a comunidade acadêmica, além dos prejuízos causados pelos constantes cortes de verbas e do desfinanciamento absoluto da ciência e pesquisa, é o ataque à liberdade acadêmica e à autonomia universitária.

De certa forma, o bolsonarismo inaugurou um método violento de ataque às universidades públicas e aos professores que não existia no Brasil. Para vencer as eleições em 2018, ele passou a espalhar ódio contra docentes de todos os níveis educacionais. Em seu primeiro ano, colocou no Ministério da Educação ministros inaptos para o cargo, mas que se aproveitaram da função para espalhar mentiras sobre as comunidades universitárias.

Basta lembrar do então ministro Abraham Weintraub acusando a UFBA e outras instituições de balbúrdia, espalhando mentiras sobre plantações de maconha e laboratórios produzindo drogas (que lhe renderam condenação por danos morais coletivos).

O negacionismo do governo, a cultura anticientífica e a violência contra toda forma de conhecimento já tem contornos trágicos. Uma série de relatórios do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT) revelou o tamanho do buraco no qual o atual governo jogou o país.

As atividades principais dos cientistas – ensino e pesquisa – já enfrentam crescente vigilância e controle de gestores e, até mesmo, dos próprios pares docentes e do corpo discente. Além disso, plataformas de notícias vinculadas ao bolsonarismo começaram a patrulhar ideologicamente a produção científica nacional para tentar deslegitimá-la.

O estudo traz os diversos mecanismos utilizados pelo bolsonarismo para ferir o princípio da liberdade acadêmica, direito garantido pela Constituição: cancelamento de palestras e eventos; regulação interna e externa; formação obrigatória, ideologicamente carregada; distorção do programa para “respeitar as sensibilidades religiosas”; instituições que tomam partidos políticos; e uma universidade que enfrenta ameaças de protesto e violência cancelando (em vez de proteger) um palestrante convidado.

Processados, indiciados ou ameaçados por criticar o governo

Para citar alguns exemplos concretos, o documento cita o caso da Universidade Estadual do Ceará (UECE), quando a Polícia Federal, em 2020, intimou professores e estudantes por terem participado de atos antifascistas; e da ação sigilosa do Ministério da Justiça para monitorar 579 servidores, entre eles docentes universitários, e repassar informações a outros órgãos do governo Bolsonaro.

Em 2021, dois pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) – um deles o ex-reitor e pesquisador renomado em Covid-19 Pedro Hallal – teceram críticas sobre o desrespeito à lista tríplice de nomeação à reitoria. Ambos tiveram que assinar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Sem falar nos casos de exonerações arbitrárias, ocorridas em 2019, como a demissão do então diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o físico Ricardo Galvão, após divulgação de dados sobre aumento do desmatamento amazônico, que havia sido o mais alarmante num período de 10 anos. E da então presidente (Maria Inês Fini) e três diretoras do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Estatísticas (Inep), órgão responsável pela elaboração do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A demissão ocorreu depois de Bolsonaro criticar o exame de 2018, por conter questões com vocabulário LGBTQIA+.

O direito à liberdade acadêmica no Brasil que Bolsonaro desrespeita todos os dias

Trata-se de um direito garantido pela Constituição (artigos 206 e 207) em, ao menos, duas dimensões: a individual e a institucional.

A primeira se relaciona com direitos e garantias dos atores educacionais e científicos — professores, alunos, pesquisadores —, como a liberdade de ensinar, aprender, pesquisar e divulgar o pensamento científico, a arte e o saber”.

A segunda, por sua vez, trata de direitos garantidos às instituições de ensino e pesquisa para que elas possam existir, desempenhar suas funções e alcançar seus objetivos institucionais. É a chamada autonomia universitária.

Novas perspectivas

O novo governo Lula, que inicia em janeiro de 2023, terá papel importante para estabelecer mecanismos eficazes para garantir a liberdade acadêmica no Brasil e, ao mesmo tempo, reduzir o pensamento anticientífico e negacionista que o bolsonarismo implantou na sociedade. 

A revisão da listra tríplice para nomeação de reitores é um dos temas que precisará ser debatido com urgência, para evitar que qualquer governo repita o que fez Bolsonaro, que nomeou 20 reitores-interventores que não foram escolhidos por suas comunidades.

Fonte: APUB

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