Será que algum dos políticos que discursam a favor das privatizações já teve que ser atendido pelo SUS? Ou tem filhos que estudam em escolas públicas?
A depender do quão elitizado são os quadros políticos do Brasil, a resposta provavelmente era não (pelo menos, até antes da pandemia de Covid-19).
Via de regra, grande parte dos políticos nunca viveram na pele as dificuldades e as mazelas que atingem boa parte dos brasileiros.
Esse descolamento da realidade é responsável pela falta de empatia que caracteriza não apenas esses políticos, mas aqueles para os quais eles trabalham.
Sim, vários políticos que incluem os termos “povo”, “população” e “necessitados” em seus discursos o fazem por pura demagogia. Na prática, muitos deles costumam propor, apoiar e votar em projetos que são anti-povo.
É por isso que muitos deles desvalorizam os serviços públicos e desferem ataques rasteiros contra os servidores.
Essa mesma falta de empatia (de se colocar no lugar do outro) está cravado na mente de quem repete o mantra do “privatiza tudo” (e não são apenas políticos e seus apoiadores, mas também empresários e parte da velha mídia, militantes de grupos extremistas e radicais).
Estão interessadas apenas em ganhar dinheiro sobre as necessidades da população, manter os privilégios deles mesmos e de poucos, e não estão nem de longe dispostos a ajudar a promover a ampliação e melhoria da qualidade dos serviços, como já explicamos aqui.
Junto com a “glorificação” das privatizações, vêm as mentiras de que “a máquina pública está inchada” e que a única solução é “cortar gastos”.
E eles agem assim porque acreditam que não sentirão o reflexo disso tudo, e pouco se importam se as pessoas estão enfrentando filas cada vez maiores para serem atendidas em unidades de saúde, ou para conseguir benefícios do INSS, ou sofrendo com menos estrutura nas escolas públicas e universidades, e por aí vai.
Mas mesmo que eles não percebam (ou finjam não perceber), estão sendo beneficiados pelos serviços públicos com a proteção ao meio ambiente, geração de emprego e renda, infraestrutura, assistência social, cultura, urbanismo, gestão ambiental, abastecimento, desenvolvimento agrário, habitação, previdência social, saneamento, transporte, segurança, Saúde, educação e inúmeras outras ações.
Para poucos
Como o governo de Jair Bolsonaro tem, comprovadamente, compromisso apenas com o interesse dessas elites, estão em curso diversas propostas que buscam enfraquecer os serviços públicos e reduzir o papel do Estado. A Reforma Administrativa (PEC 32/2020) é a principal delas.
Além de transferir as responsabilidades dos serviços públicos para a iniciativa privada (cujo foco é o lucro), também vai reduzir as proteções dos servidores contra assédios e pressões de governantes corruptos, além de permitir o loteamento político de mais de 900 mil cargos nas três esferas (União, estados e municípios).
E se aqueles que atacam utilizassem mais os serviços públicos?
Essa é uma questão central.
Provavelmente, seriam muito menos inclinados a apoiar propostas como a Reforma Administrativa. Ao contrário, defenderiam a expansão dos serviços públicos, tanto em quantidade como em qualidade.
Prova disso é que as universidades públicas, por exemplo, mesmo sofrendo frequentes campanhas de difamação e cortes orçamentários nos últimos anos, continuam sendo instituições de excelência tão grande que é comum que os membros dessas elites desejem que seus filhos estudem nelas. As elites ainda não acabaram com as universidades públicas porque sabem que na educação superior privada não encontrariam a mesma qualidade.
Mesmo assim, é comum vermos essas mesmas elites torcerem o nariz para a ampliação de acesso da população mais pobre, como as cotas sociais e raciais. Elas querem o serviço, mas desde que sejam só para elas.
Em muitos países considerados mais desenvolvidos, essa mesma realidade se espalha por outras áreas, como educação básica (onde filhos de ricos e pobres estudam nas mesmas escolas, como na Áustria, na Noruega e em outros), saúde (como na Inglaterra, que tem um sistema parecido como o SUS, o NHS, mas que é utilizado pelas camadas mais ricas).
Imagine se as pessoas abrissem mão de usar seus próprios veículos para utilizar o transporte público, certamente haveria mais cuidado por parte dos governantes.
É por isso que países onde a população tem mais qualidade de vida são justamente aqueles que investem mais em serviços públicos, contratam mais servidores e remuneram melhor aqueles que cuidam dos interesses dos cidadãos.
Isso sim é acabar com privilégios.
E isso só é possível com o fim dos cortes orçamentários e com o combate à tentativa de mudanças na gestão pública que a Reforma Administrativa “vende” como solução.
Para melhorar o Estado é preciso mais investimentos. É necessário fortalecer e valorizar a carreira dos servidores e garantir que o serviço público seja ocupado por pessoas com qualificação técnica comprovada, compromissadas com o bem-estar da sociedade e não com o interesse particular de alguns poucos políticos.
É tudo o que a Reforma Administrativa não garante ao país.
Fonte: APUB