Um “Projeto de Vida” distante da realidade do jovem brasileiro

O questionável Novo Ensino Médio, entre outras discrepâncias, traz agora às salas de aula o chamado “Projeto de Vida”. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ele segue três pilares: pessoal (aprender a lidar com os próprios sentimentos, reconhecer os limites, desenvolver a sua identidade, entre outros pontos); social (refletir sobre os relacionamentos com a família e os amigos, seu papel na comunidade e compreender a realidade que o cerca); e profissional (a definição do itinerário formativo que o aluno vai seguir, se escolhe uma graduação ou um curso técnico e qual será sua carreira futura).

Na prática, realmente o “Projeto de Vida” pode soar como algo inovador, isso do ponto de vistas das tendências de um mercado de trabalho acelerado (e cada vez mais precarizado), mas um dos problemas é que ele está completamente distante do retrato do jovem brasileiro nesta fase pós-pandemia.

Além disso, parece não levar em conta os efeitos da crise econômica brasileira que vem se aprofundando desde 2016, quando Michel Temer deu um golpe para assumir a Presidência.

Sem escola e sem trabalho

Como falar em protagonismo do estudante quando 35,9% da nossa juventude, na faixa etária dos 18 aos 24 anos, está longe da escola e desempregada?

O estudo “Education at a Glance”, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostra que a Geração Covid convive com a falta de oportunidades, colocando o país em um lamentável segundo lugar no ranking mundial – ficando atrás apenas da África do Sul nesse quesito.

Em um cenário como esse, de que forma o MEC espera que as escolas possam implantar, de forma coerente, o dito “Projeto de Vida”?

Para quem?

Bastante solto, o programa chega ao currículo escolar tomando espaço de disciplinas importantes, como Geografia, Sociologia e Educação Física.

O problema é a escola, por meio do Projeto de Vida, refletir em sala de aula necessidades urgentes de um cada vez mais mutável universo das relações de trabalho, mas sem colocar em discussão, por exemplo, como se apropriar desse escopo de atividades em relação aos estudantes mais pobres e de periferia, em sua grande maioria negros, que são os mais impactados por fatores que levam às desigualdades sociais, discriminação e preconceitos.

O “Projeto de Vida” vai ser capaz de reverter a situação dos mais de 12 milhões de jovens, de até 29 anos, que não frequentam a escola e nem trabalham? Essa projeção, fruto de um levantamento que contempla pesquisas do IBGE, FGV e IPEA sistematizados pelo Idados, aponta que são quase 800 mil cidadãos a mais em comparação com o primeiro semestre de 2019.

Desde 2012, a situação só se agrava. E o “Projeto de Vida”, como fica?

A falsa ideia de que o “Projeto de Vida” vai fazer o jovem se apropriar mais da escola e se sentir empoderado na construção do processo de ensino-aprendizagem é alarmante. Mais uma vez, o espaço criativo e de escolha da nossa juventude estará limitado pelas condições materiais e estruturais que eles já enfrentam no dia a dia.

Como equiparar o “Projeto de Vida” de estudantes de escolas em comunidades mais pobres (que terão menos “caminhos” a escolher) com os das ricas escolas das elites?

Que interesses há por trás da vertente empreendedora do programa?

Qual a mentalidade do jovem que chegará ao ensino superior?

Enquanto predominar uma representação negativa e preconceituosa sobre as novas gerações, ações como o “Projeto de Vida” apenas reproduzirão erros e equívocos. Talvez, no momento em que realmente foram reconhecidos como sujeitos e interlocutores do seu processo de aprendizagem, seja possível pensar e discutir caminhos para o futuro. Antes disso, precisamos também de políticas públicas capazes de resgatar nossos jovens para o espaço escolar.

O mundinho idealizado do Novo Ensino Médio não condiz com a realidade brasileira. É hora de começarmos a pensar nas mudanças que realmente são urgentes no nosso país!

Fonte: APUB

Facebook
Twitter
Email
WhatsApp