*Por Ubiratan Felix
Neste 20 de novembro é importante fazer uma reflexão sobre o processo de extinção da escravidão negra no Brasil. A visão dominante na sociedade brasileira é que o processo de “abolição da escravatura” foi de fora para dentro, sendo quase uma concessão dos senhores de escravos e da elite brasileira de então à população negra, que pouco participou e/ou teve uma participação passiva neste processo.
Esta visão foi reforçada por obras literárias do século XIX que foram transformadas em novelas pela Rede Globo nas décadas de 70 e 90 do século passado que tratavam da questão do trabalho escravo de forma romanceada e sem protagonismo negro.
Novelas como “A Moreninha”, “Helena”, “Escrava Isaura” (novela mais assistida no mundo) e “Sinhá Moça”, onde o grande herói da novela, “O irmão do Quilombo”, era um advogado branco e abolicionista.
É importante ressaltar que existiam varias correntes de pensamento com visões diversas sobre a abolição da escravidão no Brasil. Existiam aqueles que defendiam um movimento insurrecional, como o ocorrido no Haiti no início do século XIX e que no Brasil teve sua expressão na Revolta dos Malês em 1835. Outros que defendiam o regresso à mãe “África” eram chamados regressionistas, que realizaram caminho de retorno e hoje seus descendentes foram ou são pessoas eminentes em vários países africanos. E, finalmente, a corrente reformista que defendia a abolição gradual e negociada onde o Estado Brasileiro garantisse terra e instrução pública para todos os ex- escravizados.
No final, prevaleceu à posição mais “reacionária” que foi a abolição sem apoio econômico, politicas de reparação e adoção de politicas de criminalização como: a “lei da vadiagem” que permitia prender qualquer pessoa sem cometer crime que tivesse desocupada e que tinha como alvos os negros desempregados das grandes cidades, e o curandeirismo que tinha como alvo os “sacerdotes” das religiões de matriz africana.
Outra questão, quando é citada a contribuição dos negros no desenvolvimento econômico e social do Brasil, é sempre nas áreas de gastronomia, música, dança e no trabalho braçal nas lavouras do açúcar, algodão e café.
Este fenômeno é decorrência da ideologia do embranquecimento do final dos Séculos XIX e XX, que apagou a contribuição de eminentes brasileiros negros na Literatura, Medicina, Engenharia, Ensino e Tecnologia.
Este processo do embranquecimento de figuras como Machado de Assis ou no apagamento histórico de figuras como os irmãos Rebouças, que foram os pioneiros da Engenharia moderna no Brasil.
André, Antônio e José Pinto de Rebouças, nasceram na primeira metade do Século XIX em Cachoeira Bahia, eram filhos de Antônio Pereira Rebouças, que era “rábula ou advogado comissionado” e deputado Geral do Império. Seu tio era o Professor da Faculdade Medicina Dr. Manuel Maurício Rebouças. Os três se diplomaram na Escola Militar do Rio de Janeiro. Eram abolicionistas e defensores da Monarquia Brasileira e construíram a Estrada de Ferro Curitiba – Paranaguá, obras portuárias no Rio de Janeiro e Santos, entre outras.
Ao lado de Joaquim Nabuco, de Machado de Assis e José do Patrocínio, os irmãos Rebouças foram representantes da classe média negra no Segundo Império e uma das vozes mais importantes em defesa da abolição. Eles eram representantes da visão reformista e progressista da abolição da escravatura.
Entre setembro de 1882 e fevereiro de 1883, Rebouças permaneceu na Europa, retornando ao Brasil para dar continuidade à campanha pela abolição da escravatura. Após a abolição, veio também a queda do império, e, assim, em 1889, André Rebouças embarcou, juntamente com a família imperial, com destino à Europa. Por dois anos, ele permanece exilado em Lisboa, como correspondente do The Times de Londres. Transferiu-se para Cannes, onde permaneceu até a morte de Pedro II em 1891.
Em 1892, Rebouças aceitou um emprego em Luanda, onde permaneceu por 15 meses. A partir de meados de 1893, residiu em Funchal, na Ilha Madeira, até sua morte no dia 09 de maio de 1898. Os irmãos Rebouças foram homenageados com túnel no Rio de Janeiro, além de avenidas em São Paulo, Curitiba entre outras cidades brasileiras.
O engenheiro Teodoro Sampaio, nasceu em Santo Amaro, Bahia, e se graduou em 1877 na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Após a formatura juntou recursos para comprar a carta de seus dois irmãos, participou da fundação da Escola Politécnica e do Instituto Geográfico de São Paulo, além de ter ocupado o cargo de engenheiro da Comissão Geológica e Geográfica de São Paulo. Foi responsável por obras de saneamento em diversos estados brasileiros.
Na Bahia fundou o Instituto Histórico e Geográfico da Bahia e a Academia Baiana de Letras e implantou os sistemas de abastecimento de água em Salvador. No Rio de Janeiro, então capital do Brasil, implantou sistemas de abastecimento de água em vários bairros. É considerado o primeiro geógrafo e engenheiro de saneamento do Brasil.
O engenheiro Antônio Joaquim de Souza Carneiro iniciou precocemente a sua carreira universitária. Nos anos seguintes à sua efetivação na Politécnica, Souza Carneiro se dedicou com afinco ao ensino das disciplinas de Geologia e áreas afins e ao estudo da diversidade natural e mineral do estado da Bahia.
O esforço resultaria numa primeira leva de trabalhos técnicos que colocaria seu nome em evidência na vida pública e intelectual brasileira. Entre os trabalhos mais significativos estão algumas pequenas monografias sobre variedades de mamíferos, insetos, moluscos, madeiras “de construção” e toda espécie de plantas oleíferas e medicinais. Destaca-se, especialmente, o volume “Riquezas Minerais do Estado da Bahia” (1908), estudo que rendeu ao autor o Grande Prêmio da Exposição Nacional de 1908, realizada no Rio de Janeiro como parte das comemorações do centenário da abertura dos portos brasileiros.
Em 1912, com a eleição de J. J. Seabra, Souza Carneiro é nomeado para Engenheiro-Chefe da Comissão Geográfica e Geológica do Estado, Chefe de Estudos da Rede Baiana de Ferro e, por fim, Superintendente dos Serviços de Gás e Eletricidade de Salvador.
Em 1932, ao ser aposentado à força por motivos políticos, passaria a morar no Rio de Janeiro, conseguindo obter a cátedra de Estatística na Faculdade de Ciências Econômicas, da Universidade do Distrito Federal. Em 1937 retornou à Bahia e conseguiu reaver a sua cátedra na Escola Politécnica da Bahia, falecendo em 1942. Antônio Joaquim é pai do falecido senador carioca e baiano de nascimento Nelson Carneiro e avó da ex-deputada carioca Laura Carneiro.
A engenheira civil Maria José Salles, nascida em Juiz de Fora, Minas Gerais, é graduada em Engenharia Civil na Universidade Federal de Juiz de Fora, Mestra em Saneamento Ambiental e Doutora em Ciências pela ENSP da Fundação Oswaldo Cruz. Pesquisadora e Professora Titular do Departamento de Saneamento de Saúde Ambiental da Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ. Maria José tem várias publicações e trabalhos técnicos na área de saneamento ambiental. Foi a primeira mulher negra diretora da Federação de Sindicatos de Engenheiros e do Clube de Engenharia de Juiz de Fora.
Engenheiro Civil Areobaldo Oliveira Aflitos, Nascido em Salvador, Bahia, é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal da Bahia, Mestre em Geotecnia pela Universidade Federal da Paraíba, Professor Titular da Universidade Estadual de Feira de Santana, Engenheiro pesquisador do CEPED. Autor de diversos projetos e obras na área de Geotecnia, Barragem, Obras Viárias, Estabilização de taludes e encostas, Adutoras de Pedra do Cavalo entre outras.
Engenheiro eletricista Caiuby Alves da Costa nasceu em Niterói (RJ), formando-se em Engenharia Elétrica em 1965 na Escola de Engenharia da UFF, veio para Bahia em janeiro de 1966, pela Petrobras. Cursou Engenharia de Equipamentos, no então CENAP, na Escola Politécnica da UFBA. Trabalhou na Petrobras e após na COELBA, SAER, Cimento Salvador, Pneus Tropical, e CEPED. Participou ativamente nas diversas atividades de Engenharia, como consultor autônomo. Lecionou em diversos cursos tecnológicos.
Em 1978 foi para a França onde cursou Especialização em Energia Elétrica na Ècole Superieure d’Electricité (SUPELEC) e Doutorado na Universidade de Paris XI. Retornou à Bahia no final de 1983, reingressando no CEPED e, posteriormente, na Escola Politécnica da UFBA, onde lecionou até sua aposentadoria compulsória
Academicamente, desenvolveu atividades de pesquisa, ensino e gestão tendo sido Diretor da Escola Politécnica; membro de Comissão de Avaliação do MEC-SESU, quando visitou várias regiões do país; Vice-presidente da Sociedade dos Engenheiros de Petróleo do Recôncavo; Diretor do Senge-BA, Conselheiro do Crea-BA, da FEP e da APUB
Escreveu “As Técnicas, a Engenharia e Tecnologia no Brasil através da sua História: Uma visão sintética 1500 – 2000”, obra não publicada, e livros sobre a Escola Politécnica da Bahia, uma biografia: “Arlindo Fragoso: O Construtor de Futuros” e, “Novos Mitos e Velhas Realidades”. É co-autor de “Água de beber Camará”
Todos estes profissionais no seu tempo e época foram importantes na construção da Engenharia Nacional e símbolo de competência e eficiência para presentes e futuras gerações.
* Ubiratan Felix é Engenheiro e Professor do IFBA