Após quatro dias de debates, terminou neste domingo, 4 de agosto, em Belém, o XV Encontro Nacional do PROIFES-Federação. No evento, que celebra os 15 anos da Federação, mais de 150 professores e professoras de universidades e institutos federais de todo o país, além de 50 convidados e observadores do Brasil e da América Latina, aprovaram, por unanimidade, a Carta de Belém, na qual criticam duramente o programa Future-se do governo federal, lançado no mês passado e que pretende flexibilizar a autonomia financeira e de gestão das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).
A mesa de encerramento foi composta pelo presidente do PROIFES-Federação, Nilton Brandão (SINDIEDUTEC-Sindicato), a presidente do Sindproifes-PA e anfitriã do evento, Socorro Coelho, a vice-presidente do PROIFES, Luciene Fernandes (APUB-Sindicato), a vice-presidente da IEAL, Fátima Silva, e pela consultora da IEAL, Gabriela Bonilla.
A leitura da Carta de Belém foi feita por Nilton Brandão, durante a mesa de encerramento do evento. No texto, os docentes defendem um urgente debate nas IFES sobre as consequências da implantação do programa, que na opinião dos delegados e observadores, vai entregar as instituições federais ao interesse exclusivo do setor privado.
Além do debate, a Carta de Belém aprova a iniciativa política do PROIFES em outras duas direções: buscar entidades parceiras que também discordem do Future-se tal como proposto pelo atual governo, e propor alternativas ao programa em conjunto às entidades e movimentos aliados.
O XV Encontro também aprovou três moções e uma análise de conjuntura sobre o papel do movimento docente.
Confira abaixo a íntegra da Carta de Belém e do documento “Conjuntura e os desafios do movimento docente”.
Carta de Belém
O recém-lançado‘Future-se, Programa Institutos e Universidades Inovadoras’deve ser analisado a partir de um projeto de País que vem sendo desenhado e implantado a passos largos.Esse projeto aponta para um Brasil submisso ao grande capital, colateral ao centro capitalista internacional, e reduzido, em sua essência, ao papel de exportador de matérias primas. Para manter e atrair investimentos propõe manter os altos patamares de juros praticadas no País, bem como adotar uma agenda acelerada de privatizações. No âmbito fiscal, sugere a manutenção e o aprofundamento de um sistema que penaliza o consumo e cobra pouco da renda e da propriedade, em comparação com os países ditos ‘desenvolvidos’.
O carro chefe para a viabilização dessa agenda foi a aprovação, ainda em 2016, da Emenda Constitucional 95, que pavimentou, de maneira precisa, o caminho para a redução progressiva da presença do Estado nas áreas sociais, de forma a produzir superávits fiscais capazes de sustentar o novo projeto.
Essa política foi se concretizando com a aprovação da Reforma Trabalhista, em 2017, instrumentalizada pela Lei nº 13.467, com a justificativa de ‘combater o desemprego’, que, ao contrário, se ampliou de lá para cá. Estareformapromoveu mudanças fortemente prejudiciais aos trabalhadores, passando a permitir que convenções e acordos coletivos prevaleçam sobre a legislação.
Para levar a EC 95 à consecução, o governo passou alegislar no sentido de conter as despesas primárias, ao longo do período de sua vigência. Essas despesas são, basicamente, as previdenciáriaseas relativas aosserviços públicos, como educação e saúde.
A Reforma da Previdência retira direitos históricos dos trabalhadores, reduz dramaticamente aposentadorias e, ainda, corta salários líquidos de servidores públicos ativos e aposentados, ao aumentar alíquotas de contribuição.
O dimensionamento da ‘economia’ da Reforma da Previdência, de 900 bilhões de reais, em 10 anos, não é uma decisão desprovida de fundamento. É parte das adequações à EC 95.Para alcançar os cortes exigidos seguem-se outros projetos, com destaque ao Future-se.
Nas Universidades e Institutos Federais, em que os investimentos em custeio e capital são da ordem de 20% a 25% do total orçamentário, o projeto propõe a eliminação total da alocação de recursos de custeio e investimentos e aredução real da massa salarial, substituindo a‘Autonomia de Gestão Financeira’, constitucionalmente definida, pela ‘Autonomia Financeira’, entendida como o abandono das IFES, em termos de recursos públicos, naquilo que diz respeito a investimentos.A outra questão se refere à redução, em termos reais, da folha de pessoal, congelando salários em termos nominais e admitindo a progressiva substituição dos atuais professores por docentes contratados pela CLT – o que significa apaulatina destruição da carreira docente construída, com muita luta, desde a década de 1980 e garantia da qualidade do ensino.
Consequência direta do Future-se será o uso das IFES pelo setor privado, que passará a utilizá-las como matriz de pesquisa para assuntos de seu interesse específico. O programa fragiliza o sistema de ensino superior e tecnológico, sobretudo as instituições que estão fora dos centros industriais e financeiros do país aprofundando as desigualdades regionais.
É fato que parte do que o projeto propõe já é feito nas IFES, mas de uma outra forma, radicalmente distinta, sob controle autônomo interno.Objetivamente, a implantação do programa irá eliminar ou dificultar fortementea possibilidade de que se realize pesquisa de forma universal, o que caracterizainstituições como as que o Brasil vem construindo. As IFES são capazes de promover o desenvolvimento da ciência e da tecnologia necessários à soberania, de fomentar as atividades indissociáveis de ensino, pesquisa e extensão, de estimular a cultura, as artes e as humanidades, rumo a um País menos desigual e mais solidário.
O Brasil que serve à maioria dos brasileiros não é compatível com a EC 95 e nem com o Projeto Future-se, que cindirá o conjunto de IFES, jogando as instituições umas contra as outras.
Não é possível aceitar que a produção do conhecimento, em sua dimensão mais ampla, fique na dependência da flutuação e dos mecanismos especulativos de bolsas de valores. Não é possível aceitar caminhos que levem o Brasil à subalternidade, sem projeto estratégico de desenvolvimento científico, tecnológico, cultural e social. Não se trata aqui de exorcizar a interação – via de regra desejável e positiva – das Universidades e Institutos Federais com os mais diversos setores econômicos e sociais, mas de garantir a formação de profissionais altamente capacitados e, sobretudo, dotados de pensamento crítico – o que nem sempre será consoante com os interesses imediatistas do ‘mercado’.
É papel e dever da comunidade acadêmica, não apenas como principal interessada, mas, sobretudo com a responsabilidade que tem pelo futuro do País, alertar e esclarecer a população sobre o imenso retrocesso e as danosas consequências que o caminho trilhado vem trazendo para o Brasil. Há que vencer a batalha de narrativas, e, com forte mobilização, convencer a sociedade a recusar a destruição de um patrimônio que é de todos: as Universidades e os Institutos Federais brasileiros.
Para isso, será insuficiente somente ser contra o ‘Future-se’. Será necessário agir politicamente em pelo menos três direções:
Debater nas IFES as consequências da implantação desse programa, posto que é fundamental que os docentes e a comunidade universitária se conscientizem dos prejuízos que irá trazer e possam, coletivamente, pensar em alternativas;
Buscar aliados que, descontentes com os rumos da atual política, discordemtambém do papel que o atual governo reserva para o sistema de IFES, para o desenvolvimento daciência e da tecnologia – tais aliados incluem certamente todos os que defendem a existência de entidades de ensino superior de excelência, como a SBPC, a ABC, as sociedades científicas, os setores produtivos voltados para o mercado interno, que dependem de uma política de distribuição de renda para o seu florescimento e sabem que a produção de conhecimento de alto nível tem um impacto positivo sobre suas atividades – e, em geral, todos aqueles que acreditam em um projeto de País voltado para a soberania;
Propor, em conjunto com esses aliados, alternativas ao programa que o governo encaminha para discussão.Para isso, ressalta-se que o PROIFES já tem debate acumulado sobre temas relevantes, como a defesa de uma Lei Orgânica para as IFES, conforme proposta já aprovada no X Encontro Nacional do PROIFES, que pode servir como importante subsídio:
– Adoção de princípios e diretrizes para o funcionamento das IFES, reforçando-se o elo indissociável entre ensino, pesquisa e extensão, a gratuidade plena em todos os programas de graduação e pós-graduação, a igualdade de condições de acesso e permanência discente; a interação permanente com a sociedade e com o mundo do trabalho; a liberdade para pesquisar, para ensinar e para divulgar o pensamento, a arte, a cultura e o saber; e a gestão democrática e colegiada;
– Exercício pleno do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
– Valorização de docentes e técnico-administrativos, com a vigência e o aperfeiçoamento constante de planos de carreira, salários e condições de trabalho compatíveis com os princípios e diretrizes acima;
– Definição das IFES como pessoas jurídicas de direito público, instituídas e mantidas pela União, dotadas de prerrogativas inerentes à autonomia universitária;
– Autonomia e regulamentação da autogestão com a criação de um Conselho Interuniversitário; e
– Garantia constitucional da vinculação de recursospara o seu funcionamento.
Este debate é de máxima urgência e fundamental para o futuro do Brasil, dada a importância de Universidades e Institutos Federais para a produção de conhecimento e formação de profissionais qualificados, elementos essenciais para o desenvolvimento científico, tecnológico, artístico, cultural, econômico e social do nosso País.
Belém (PA), agosto de 2019
XV Encontro Nacional do PROIFES – Conjuntura e os Desafios do Movimento Docente
REINVENTAR O MOVIMENTO SINDICAL DIANTE DE UMA CONJUNTURA COMPLEXA
O PROIFES tem se construído historicamente a partir dos princípios da pluralidade, descentralização, independência dos sindicatos federados e da democracia. Fortaleceu-se a partir de uma postura propositiva em relação ao governo, e de importantes contribuições nas articulações nacionais no campo da educação. Contribuímos de maneira positiva e profunda no avanço da carreira docente, dos salários, na compreensão da importância do aposentado. E, a partir do golpe em 2016, tornou-se prioritária a defesa intransigente das universidades e institutos federais e da ciência e tecnologia. Contrário dessa ação é nossa luta pela revogação da EC 95, sob a pena de inviabilização do PNE.
A vitória da extrema direita nas eleições de 2018, expressa na eleição de Bolsonaro e de diversos candidatos de extrema direita, com um programa autoritário e conservador no parlamento, representa um processo de fascistização da sociedade brasileira que segue em curso, impulsionado pela criminalização da política através das operações dirigidas por parcelas do sistema jurídico estatal, propagado pelos grandes grupos empresariais de comunicação e respaldado por setores das forças armadas brasileiras.
Trata-se de um governo com um programa ultra neoliberal e autoritário com o objetivo de desmontar os pilares do Estado Democrático de direito lançados no período Desenvolvimentista e da Nova República, que se lançou numa cruzada contra a Educação, as Universidades e os Institutos Federais, combinando um processo de sucateamento via cortes de recursos com a desmoralização e criminalização desses setores. Por identificar que esses cumprem um papel destacado na defesa da democracia, da liberdade de expressão e do pensamento crítico e reflexivo. É nesse cenário de retirada de direitos e privatização que se insere a sua atual proposta para as Universidades, o “Future-se”. Onde apresenta “saídas” que atingem profundamente a autonomia administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e, também na sua autonomia didático-científica.
Apesar da velocidade com que o governo tem implementado a sua agenda autoritária, de retirada de direitos e de desmonte da soberania nacional, é possível identificar contradições que tem surgido no seu interior. Que podem se agudizar na medida em que o governo não tenha sucesso na construção de saídas para a crise social, econômica e política na qual o Brasil está imerso. Nesse sentido, essas contradições precisam ser exploradas pela Federação, através de um processo de articulação com amplos segmentos da sociedade, objetivando a construção de uma frente ampla democrática.
Para isso, será necessário que o PROIFES e os seus sindicatos federados contribuam no fortalecimento da unidade entre os setores democráticos e populares para a construção de uma oposição programática e qualificada ao governo Bolsonaro. Esta oposição deverá consistir em uma articulação prioritária com os movimentos sociais, centrais sindicais, movimento estudantil, juristas e setores religiosos progressistas, entidades científicas e acadêmicas, partidos políticos comprometidos com a defesa da democracia, dos direitos e da soberania nacional.
Para isso, também será necessário renovar e intensificar as formas de mobilização no interior do movimento docente. A greve, o mais poderoso instrumento de luta da classe trabalhadora e que tem sido o principal instrumento de mobilização utilizado até então, não pode ser banalizada, sob pena de, na atual conjuntura, acabar contribuindo para um dos objetivos do governo: o de esvaziar as IFES, que tem cumprido um importante papel na mobilização democrática da sociedade. O momento atual não permite respostas simples, e, tampouco, a repetição do que vinha sendo feito antes. As formas de mobilização precisam contribuir para que a sociedade consiga compreender o papel das IFES no nosso país na melhoria de vida da população e no desenvolvimento nacional. É preciso qualificar os nossos instrumentos de comunicação e diálogo com a sociedade para que ela compreenda a importância das Universidades Públicas.
É nesse cenário difícil que o PROIFES terá que atuar no sentido de tentar evitar a perda de direitos da categoria docente, bem como resistir às tentativas de desmonte da educação pública, quebra da autonomia universitária e desfinanciamento da produção científica. Sem dúvida, as margens de negociação para com esse governo serão muito restritas. O seu projeto para as IFES já está claro e para resistir a ele, será necessária a combinação de amplitude nas alianças e aumento na capacidade de mobilização, diálogo com a sociedade, fortalecimento dos espaços de base, investimento na formação e renovação dos militantes sindicais e ampliação das sindicalizações. Para resistir aos ataques precisaremos que mais docentes se coloquem em movimento, construindo novas formas de pressão e mobilização, que sejam capazes de combinar a pressão institucional com a pressão social.
A Federação deve, nessa quadra política, fortalecer os sindicatos federados e a expansão da sua estrutura federativa. Dedicar todos os esforços para resistir e combater esse projeto implementado pelo governo Bolsonaro. Para isso, estabelecer áreas estratégicas de atuação, a saber: a educação, a ciência e tecnologia, os direitos humanos e a democracia. A partir desses eixos, conceber um conjunto de ações de curto e médio prazo que oriente os sindicatos federados e o conjunto do movimento docente, aumentando a sua relevância e protagonismo. Para isso, é necessário um Conselho Deliberativo ainda mais forte e coeso, com uma Diretoria Executiva ágil e capaz de contribuir para que o movimento docente seja um dos protagonistas na luta em defesa da democracia.
A capacidade que teremos de resistir à retirada de direitos e manter as condições de trabalho estará diretamente relacionada a nossa capacidade de unir as negociações corporativas com os interesses da pesquisa e da produção científica, da defesa da autonomia universitária e de uma educação pública e gratuita e outras pautas gerais, tendo a capacidade de construir novas formas de mobilização que consigam combinar amplitude com enraizamento da defesa das IFES. Ou construímos um amplo movimento na sociedade em defesa da Educação Pública e da Universidade Pública ou dificilmente conseguiremos manter as nossas condições de trabalho e a existência das Instituições Federais de Ensino como hoje conhecemos. O avanço de nossa luta sindical dependerá do avanço da luta geral, que conquiste uma maioria na sociedade em defesa da educação pública, da ciência e do desenvolvimento nacional e da democracia.
Belém, 4 de agosto de 2019.
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