“A mamata acabou” é um dos mantras repetidos por setores extremistas para comemorar qualquer projeto do governo que retire direitos, especialmente de servidores públicos.
A ideia deles é repetir isso à exaustão para dar a impressão de que o funcionalismo, de forma geral, seria ocupado por privilegiados ou “marajás” (como disse um certo ex-presidente cassado).
Mas agora os brasileiros estão vendo que a mamata realmente está se tornando realidade nas esferas de comando do país.
1) “Meu pirão primeiro”
Uma portaria publicada pelo Ministério da Economia na última semana permitirá que os vencimentos do próprio presidente e de inúmeros membros da alta administração federal (em especial, os militares) aumentem acima do teto permitido pela Constituição.
É mais uma demonstração de que o andar “de cima” segue imune à crise que suga o país para um abismo sem saída. Enquanto o ocupante da casa de vidro e sua corte fazem a festa, o Brasil bate recordes de desemprego e milhões de brasileiros são jogados à própria sorte na pandemia porque o governo não garante vacinas e nem um auxílio digno (R$ 200 parece provocação) para que as pessoas permaneçam em segurança.
A portaria acaba com o chamado “abate teto”, utilizado para impedir que funcionários públicos que acumulam mais de uma função, ou exercem cargo ao mesmo tempo em que recebem aposentadoria, ganhem mais do que os R$ 39,2 mil constitucionalmente estabelecidos (em tese, o máximo que um funcionário público pode receber).
A mudança faz com que, por exemplo, o salário de Bolsonaro aumente em R$ 2,3 mil por mês e o do vice-presidente, Hamilton Mourão, em R$ 24 mil.
Se alguém perguntar para você o significado do termo “legislar em causa própria”, este caso vai servir como exemplo prático para uma resposta.
A medida agrada também ao staff de pijama verde oliva, que fecha os olhos diante da irresponsabilidade do governo na pandemia, enquanto generais estrelados se submetem a um ex-capitão sem qualquer moral, mas com uma poderosa caneta capaz de lhes agraciar com bastante frequência.
Para bancar toda essa mamata, que vai abarcar diversos cargos do governo (a maioria ocupados por militares que já possuem outros rendimentos), estima-se um gasto de R$ 66 milhões ao ano.
Para a educação? Cortes (os recursos atuais da UFBA, por exemplo, são correspondentes aos de 2004 – mas hoje temos o dobro de estudantes). Saúde? Cortes. Compra de vacinas? Cortes. Auxílio emergencial? Cortes. Já para bancar privilégios, o bolso está cheio.
Aliás, já no ano passado, Jair Bolsonaro havia garantido reajuste de até 71% sobre bonificações de militares, gerando um impacto inicial de R$ 1,13 bilhão ao orçamento da União em 2020, mesmo em meio à pandemia.
2) O escândalo do ‘Tratoraço’ (o novo “Anões do Orçamento”)
Outro escândalo que está abalando as estruturas do governo é o chamado “Tratoraço”. Uma investigação sobre documentos oficiais mostra que deputados e senadores governistas recebiam verbas a partir de um orçamento paralelo, com valores muito acima dos permitidos para emendas parlamentares.
É um “clássico da corrupção”. Recursos eram destinados para agradar redutos eleitorais, especialmente setores do agronegócio (“agro é tudo”, como dizia a propaganda). Mas não para por aí. Há aquisição de tratores e equipamentos agrícolas com preços até 259% acima dos valores de referência do próprio governo (superfaturamento, outro “clássico), obras suspeitas e muitos outros gastos que giram em torno de R$ 3 bilhões.
Daria para comprar 50 milhões de doses de vacinas com esse recurso.
Só a título de comparação, a Educação teve R$ 2,7 bilhões bloqueados e R$ 2,2 bilhões vetados pelo presidente no orçamento deste ano.
O ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre que ‘coincidentemente’ arquivou dezenas de pedidos de impeachment contra o presidente, pôde destinar nada menos que R$ 277 milhões (34 vezes o limite anual de emendas parlamentares).
Outros aplicaram os recursos a milhares de quilômetros de seus redutos eleitorais (o que não faz nenhum sentido do ponto de vista político eleitoral).
O esquema foi revelado pelo jornal conservador “Estadão”. Segundo os documentos, 250 deputados federais e 35 senadores puderam utilizar recursos desse orçamento paralelo. Como o governo tem conseguido aprovar Emendas Constitucionais e outros projetos com cerca de 330 votos de deputados, apenas uma pequena parte da base – aparentemente – ficou de fora da farra (ao menos, dessa).
Agora o governo e os extremistas que o apoiam terão mais dificuldade para defender o puritanismo imaculado com o qual se vestia o presidente e sua trupe.
E Reforma administrativa?
Esse é o mesmo governo que deseja aprovar a Reforma Administrativa (PEC 32/2020) para “modernizar o Estado brasileiro” (que é um sofisma para ‘destruir’).
Primeiro, porque quem propagandeia a Reforma vende o discurso de que os servidores ganham demais e que é preciso combater os “supersalários” da administração pública. Agora vemos quem realmente terá supersalários.
Acontece que a proposta vai ter efeito somente na base do funcionalismo, deixando intactas as carreiras com maiores salários e benefícios (juízes, desembargadores, promotores, procuradores, militares e políticos).
Ou seja, a Reforma é uma grande enganação: pretende tirar do andar de baixo (metade dos servidores públicos do país ganha até três salários-mínimos) mas não move uma vírgula para combater os privilégios das elites.
Além disso, não há sequer uma linha na proposta que promete melhorar os serviços públicos. Pelo contrário: a Reforma Administrativa quer abrir caminho para a atuação irrestrita da iniciativa privada e destruir as bases de tudo que garante qualidade ao serviço público, como os concursos e a estabilidade dos servidores.
O Governo tenta jogar a culpa dos problemas do Brasil (e de sua própria incapacidade) nas costas dos servidores, mas a verdade é que o país está sob o comando das rachadinhas, do corporativismo, da amizade com as milícias e, agora, do Tratoraço.
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Fonte: APUB