A violência contra as universidades públicas não acabou

Durante os quatro anos do nefasto governo de Jair Bolsonaro, as universidades públicas sofreram uma perseguição que não ocorria desde a ditadura cívico-militar no Brasil, que durou de 1964 a 1984.

Dando continuidade à estratégia usada na campanha presidencial de 2018, quando ataques infundados, regados a mentiras e manipulações, foram usados para conquistar votos de parte da população que nunca teve contato com uma universidade pública, Bolsonaro e seus apoiadores escolheram as instituições federais de ensino superior como um de seus alvos prioritários.

Fora inúmeras tentativas de calar a comunidade acadêmica, que era um dos principais focos de resistência ao negacionismo e ao extremismo daquele governo e da ideologia que ele representava:

  • cortes de recursos, com o estrangulamento orçamentário que quase fechou as portas de diversas instituições e paralisou projetos de pesquisa
  • iniciativas que tentaram destruir o caráter público das universidades federais, como o malfadado Future-se
  • disseminação em massa de mentiras, para fazer a população desacreditar da importância das universidades públicas
  • perseguição a professores e a dirigentes que criticaram publicamente o governo
  • imposição de reitores-interventores, que não foram escolhidos por suas comunidades

Nesse período, as comunidades acadêmicas resistiram bravamente e lutaram contra essas ações e outras formas de agressão e iniciativas de destruição das universidades públicas.

Em 2022, Jair Bolsonaro foi derrotado nas eleições e teve frustradas suas tentativas de golpe para permanecer no poder a qualquer custo, mas vários acontecimentos recentes mostram que seu legado de violência e intolerância continua repercutindo no país.

Perseguição ideológica

Um caso recente prova, de forma emblemática, que os métodos de autoritarismo e perseguição ideológica implementados pelo governo Bolsonaro ainda representam uma ameaça à liberdade de cátedra dos professores universitários.

O docente do curso de Medicina da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Luciano Bezerra Gomes está respondendo a um processo interno por ter usado uma camisa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em sala de aula, após denúncia de uma pessoa (não se sabe se estudante ou alguém de fora da comunidade) à Ouvidoria da instituição de ensino. 

Em condições de normalidade institucional, esse tipo de denúncia dificilmente seria base para um procedimento interno ou qualquer tipo de investigação. Mas a realidade da UFPB está distante disso: a instituição é uma das 20 universidades federais geridas por um reitor-interventor. Ele foi empossado por Jair Bolsonaro em 2020, mesmo tendo obtido menos de um décimo dos votos da comunidade acadêmica e nenhum voto para a lista tríplice no Conselho Universitário.

Alinhado ao extremismo ideológico, o reitor-interventor é acusado de utilizar a estrutura da universidade para perseguir docentes, servidores técnico-administrativos e estudantes que o criticam ou que não se alinham à sua ideologia. Por esse mesmo motivo, escolheu dar prosseguimento à investigação infundada contra o docente que usava camiseta de um movimento social em sala de aula. Com isso, a própria administração da instituição demonstra desconsiderar os artigos da Constituição que garantem ao professor o direito à liberdade de cátedra e de pensamento (artigo 206) e de expressão (artigo 5º), além da própria autonomia universitária (artigo 207).

Além disso, Luciano Bezerra Gomes é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e tem um projeto de extensão que realiza atividades em acampamentos e assentamentos do MST. Ou seja, o ato de vestir uma camiseta de um movimento social, além de não infringir nenhuma legislação (o caráter não seria diferente de vestir uma camiseta de time de futebol ou de uma determinada marca de roupas) ainda estava conectado com o objeto de atuação acadêmica aceito oficialmente pelas instâncias legais da própria universidade.

Mas esse método de perseguição por parte da administração da UFPB vem sendo recorrente desde a posse do gestor. Nos últimos anos, membros daquela comunidade acadêmica foram intimados a depor na Polícia Federal após criticar a gestão intervencionista da instituição. 

Só que esses casos não são isolados. As gestões interventoras, empossadas por Bolsonaro, reproduziram semelhantes métodos de truculência e perseguição ideológica a críticos e opositores. 

Essas práticas comprovam a urgência de alteração da legislação federal que trata da escolha para dirigentes das instituições federais de ensino superior, com o fim da listra tríplice (atualmente enviada pelos conselhos superiores e permite ao presidente da República a decisão final, independentemente da quantidade de votos recebidos pelos candidatos) e a legitimação da eleição realizada pelas comunidades de cada universidade.

Outras formas de violência

Mesmo nos casos em que não há violência institucional nas universidades públicas, as comunidades estão sujeitas a outros tipos de violência, que são decorrentes de problemas sociais.

Uma onda de violência, originada na disputa entre facções criminosas, atingiu a capital baiana, Salvador, e cidades da região metropolitana, afetando diversas comunidades, inclusive, a da UFBA.

Nas últimas semanas, atividades foram suspensas nos campi Ondina, Canela, São Lázaro e Federação (este último fica próximo à sede da APUB Sindicato, que também teve que fechar mais cedo no dia 4 de setembro, em decorrência das ações de grupos criminosos na região).

Essa escalada da violência na capital baiana mostra a necessidade urgente de novas reflexões sobre as formas de combate à criminalidade, especialmente às suas causas e origens, e uma ampla rediscussão sobre políticas de segurança pública que não foquem apenas nas medidas de reação e contenção, mas que, junto a outras políticas públicas, garantam mais coesão social, ajudem a reduzir as desigualdades e a solucionar outros problemas que dão origem à violência.

As universidades públicas têm um papel essencial a cumprir nesse debate. Mas precisam ter a sua autonomia garantida, sem que ataques desviem o foco das questões que realmente importam à sociedade.

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