Estamos todas e todos sob alegre euforia, efeito do que ontem, 11 de setembro de 2025, aconteceu em Brasília: pela primeira vez em nossa história um atentado contra nossa Democracia recebeu punição, penalizando inclusive militares da mais alta patente, em julgamento histórico que percorreu um caminho considerável, desde que o inominável foi indiciado, primeiro por surrupiar as joias sauditas, depois pela falsificação da carteira de vacinação, até que a delação de seu ajudante de ordens foi delineando os contornos da trama golpista que teve no 08 de janeiro sua face mais vistosa.
A solidez do julgamento e da condenação corre ao lado de uma massa reacionária, representada num parlamento que pode muito bem aprovar uma anistia, não fosse a contenção política do Senado. Além disso, o presidente da Câmara está ciente de que os contrapesos dos outros dois poderes dificilmente viabilizariam um perdão provido pelo Legislativo – que força ele tem para encabeçar uma iniciativa que o poria em rota de colisão com o STF?
A condenação dos responsáveis pela trama golpista também comporta, na sua concretude, aspectos simbólicos poderosos, como o voto da Ministra Cármen Lúcia, única mulher da corte e da cena do julgamento, que com seu voto consolidou a condenação de um personagem que, como poucas vezes se viu em nossa jovem Democracia, encarna a mais odiosa misoginia e violência contra minorias; e a lembrança dolorosa dos que, na Pandemia de Covid 19, tombaram antes que a vacina chegasse, vacina aprovada, disponível, mas perversamente interceptada no caminho; o que nos faz lembrar de outro entre os condenados, Silvinei Vasques, que em 30 de outubro de 2022 impediu que eleitores chegassem às urnas.
A despeito de tudo isso, dois pontos requerem nossa mais cuidadosa atenção: o voto de Luiz Fux e a incansável articulação do zero três em sua vassalagem a Trump. “Graças a Deus que a gente tem um aliado mais poderoso do mundo do nosso lado”, ameaça Eduardo. A condenação dos golpistas institui um parâmetro de referência para as democracias em crise pelo mundo e coloca nosso país numa posição de muita visibilidade para o trumpismo, considerando o fato de que a sobretaxação que nos foi aplicada e a sanção a Moraes pela Magnitsky não provocou nenhum recuo no julgamento. Quanto ao voto pela absolvição, tudo indica que Fux aposta no futuro, se antecipando a eventuais desdobramentos políticos e jurídicos relacionados ao resultado eleitoral de 2026 – vergonhoso!
O fato inegável é que nossa democracia sobreviveu e triunfou. Uma façanha, da qual nós, professoras e professores somos, de modo significativo, responsáveis. Pois deparei por esses dias um belo ensaio de bell hooks, recordando sua adolescência, quando, num concurso de artigos chamado “Voz da Democracia”, “expressava com vigor a opinião de que nosso país era uma grande nação, a melhor do mundo, porque os Estados Unidos tinham um compromisso com a democracia (…) que garantia o direito à educação para todas as pessoas, independentemente de raça, gênero ou classe social”, ela diz, para em seguida lamentar: “a maioria dos estudantes simplesmente presume que viver em uma sociedade democrática é seu direito inato; eles não acreditam que devem trabalhar para mantê-la”. Então você, leitor/a se pergunta o que ela diria agora, na era Trump. Eu acho que nada diferente do que disse nesse mesmo ensaio, citando John Dewey: “a democracia deve renascer a cada geração e a educação é sua parteira”.
Como docentes e agentes da cultura democrática, vamos celebrar a condenação dos golpistas que quase nos empurraram para o abismo, mas a luta pela nossa democracia continuará exigindo atitude e vigilância.
Raquel Nery
Presidenta da APUB