Na madrugada do dia 18 de março de 1976, tempo das violentas ditaduras implantadas no cone sul da América Latina, em conformidade com os interesses geopolíticos dos Estados Unidos da América (EUA), ocorre na Argentina o desaparecimento do reconhecido pianista brasileiro Francisco Tenório Júnior. Tinha 35 anos de idade, tido como o músico dos músicos do Rio de Janeiro, fazia parte de uma turnê artística pelo Uruguai e pela Argentina, com Toquinho e Vinícius de Moraes.
Golpes militares eram recursos bastante comuns naquela época, utilizados pela CIA para derrubar dirigentes democraticamente eleitos pelo voto popular, em geral com a participação das forças internas de direita. O desrespeito à soberania nacional era justificado, por tais forças, pelo receio de que o comunismo tomasse o poder.
Em 1976, particularmente na América do Sul, Peru, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Chile e Brasil estavam sob regimes ditatoriais. A Argentina já havia sido vítima de um golpe militar em 1966, que foi derrotado pela luta popular, em 1973, ocasião em que o peronismo reconquistou o poder pelo voto. Entretanto, 5 dias após o desaparecimento de Tenório Jr. caiu o governo constitucional de Isabelita Perón.
Havia no Panamá, já fazia algum tempo, um centro de educação (ensinamento e difusão) de técnicas e assassinato político, chamado de Escola das Américas, onde militares selecionados nos países dominados eram escolhidos para freqüentar esses cursos regulares, dados por militares estadunidenses e agentes da CIA, que davam direito a promoções nas carreiras daqueles que os frequentassem.
Após o sangrento golpe liderado pelo general Augusto Pinochet, que derrubou e assassinou o presidente Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973, no Chile, a ditadura militar chilena criou a “Operação Condor”, sob a supervisão dos EUA, que objetivava integrar toda a América do Sul na repressão militar, tanto para consolidar os golpes que levaram à tomada ilegal do poder, como para preparar as intervenções nos demais países. A essência dessa operação terrorista internacional envolvia a atuação conjunta de todos os aparatos militares e policiais dos diversos países envolvidos, como se de um único país fosse. As forças repressoras atuavam investigando, prendendo, torturando, e matando sem limite sem processo, qualquer cidadão em qualquer país do pacto, sem dar satisfação a ninguém.
Tenório Jr. foi tragado em situação sui generis: já ocorrera um golpe em 1966 que os peronistas haviam desmontado, havendo então uma eleição em 1973, na qual Isabelita Perón foi eleita. Em 1976, quando mataram o pianista brasileiro, estava se dando o segundo golpe militar, que retomaria o poder uma semana depois. Os combates eram duros, e as polícias iam rapidamente se integrando ao novo golpe.
O pianista atuou na noite de 17 de março e, após a apresentação, foi para o hotel, de onde saiu, para a rua, na madrugada do dia 18, e não mais retornou.
Hoje, após quase 50 anos, uma reconhecida instituição de Antropologia Forense argentina, após longa investigação, concluiu que Tenório Jr. foi assassinado com 5 tiros, e depois enterrado num cemitério situado na região metropolitana de Buenos Aires, utilizado para sepultar mortos pela ditadura.
A pergunta que hoje nos cabe fazer, tendo em conta a presença de Trump no poder nos EUA, é: quanto não estamos próximos de uma situação como aquela que vitimou Tenório Jr, um pacato músico, totalmente dedicado à sua arte, que não estava envolvido em atividades políticas, ou não?
Sensível a tal situação, a nossa APUB-Sindicato realizou uma atividade, nesta sexta-feira (17/10), com a finalidade de homenagear o músico icônico da Bossa Nova, Francisco Tenório Jr. , cidadão tal como qualquer um de nós, que foi morto covardemente na Argentina, em março de 1976.